A Alca e a Raposa de La Fontaine

Por Paulo Nogueira Batista Jr.*

As notícias que chegam de Miami estão indicando que os EUA e os demais países aceitarão, por enquanto, a preferência brasileira por uma Alca “desidratada”, isto é, um projeto de acordo mais flexível e menos abrangente do que o originalmente previsto. Apesar das resistências de diversos participantes, parece que irá prevalecer o entendimento a que chegaram os EUA e o Brasil em encontros preparatórios.

Segundo esse entendimento, a Alca incluiria um conjunto mínimo de benefícios e obrigações. Os países que desejassem poderiam negociar compromissos adicionais em bases bilaterais ou plurilaterais. Ninguém seria forçado, contudo, a assumir obrigações em temas problemáticos como, por exemplo, antidumping, investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais.

Não há dúvida de que qualquer comemoração seria muito prematura. O recuo dos EUA é meramente tático e temporário. O governo americano quer evitar um fracasso “à la” Cancún, que aconteceria, dessa vez, em seu território.

Os EUA não disfarçam o seu descontentamento com o formato “desidratado”. A agenda definida em Miami será, tudo indica, deliberadamente vaga e genérica. Ao mesmo tempo, o ministro do Comércio Exterior, Robert Zoellick, e o negociador-chefe dos EUA na Alca, Ross Wilson, continuam reiterando o compromisso dos EUA com uma Alca “abrangente”, conforme a concepção original. Em paralelo, anunciam a disposição de negociar dentro do modelo abrangente, acordos de livre comércio com alguns países ou grupos de países latino-americanos.

Outros governos criticaram bastante o novo formato que surgiu do entendimento EUA-Brasil. Canadá, Chile e México, por exemplo. São países que já têm acordos de livre comércio com os EUA no formato abrangente, tendo feito grandes concessões em questões como serviços, patentes, licitações públicas, investimentos e arbitragem internacional para disputas entre Estados e empresas privadas. Insistem em que o Brasil, a Argentina e os demais participantes da Alca devem assumir compromissos do mesmo tipo, considerados indispensáveis nos acordos comerciais “de última geração”. Estão um pouco na posição daquela raposa da fábula de La Fontaine, que, tendo perdido a cauda numa armadilha, tentou convencer as outras de que cortar a cauda era a última moda.

O que canadenses, chilenos e mexicanos estão dizendo é que brasileiros e argentinos não podem obter as mesmas vantagens (em termos de acesso ao mercado dos EUA, por exemplo) se não estão dispostos a assumir as obrigações incluídas no Tlcan (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) e no acordo bilateral EUA-Chile em matéria de serviços, investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais.

Quem deu esse mote foi o próprio governo dos EUA. Antes mesmo da reunião de Miami, Zoellick e outras autoridades americanas afirmaram ou insinuaram que, na Alca flexível, as vantagens seriam proporcionais às obrigações. Em outras palavras, os países que não aderissem a certos capítulos do acordo seriam punidos em termos de acesso a mercados.

O Brasil rejeitou imediatamente essa interpretação e a questão ficou no ar. Será certamente recolocada.

A posição do Brasil foi bem explicada pelo nosso negociador-chefe, embaixador Macedo Soares. O governo aceita o princípio de que deve haver correspondência entre benefícios e obrigações. Mas entende que essa correspondência deve ser negociada dentro de cada categoria do acordo, e não de forma cruzada entre acesso a mercado e normas em outras áreas.

Além disso, como observou um dos principais jornais americanos, em editorial, o princípio de que devem ser punidos países que não assumem compromissos em determinadas áreas também teria que ser aplicado aos EUA (“The Washington Post”, 19 de novembro de 2003).

Em suma, a batalha apenas começou.

* Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP. Publicado no jornal Folha de S.Paulo, 20 de novembro de 2003

Breves

Lula encontra trabalhadores rurais em Brasília

Na manhã de 21 de novembro, o presidente Lula visitou os cerca de 5 mil trabalhadores rurais que no dia anterior haviam participado da Conferência da Terra por um Plano Nacional de Reforma Agrária. Nas palavras do presidente “o Plano é essencial para a realização da Reforma Agrária, mas a burguesia não quer que isso aconteça”. Em seguida, Lula pediu para que os camponeses tenham paciência, pois “a Reforma Agrária não vai acontecer num passe de mágica”. O encontro aconteceu no Pavilhão de Exposições, em Brasília, local onde os trabalhadores que marcharam por 10 dias estavam acampados.

Trabalhadores marcham contra a Alca e transgênicos em Brasília

Na tarde de 21 de novembro, trabalhadores rurais que estão acampados desde 19 de novembro em Brasília realizaram uma marcha rumo à embaixada dos Estados Unidos contra a Alca. Além dos trabalhadores rurais que fazem parte dos movimentos que compõem a Via Campesina, participaram também funcionários em greve da Embrapa e trabalhadorres rurais da CONTAG. No final do ato, os trabalhadores jogaram espigas de milho transgênicas em frente à embaixada estadunidense.

MST promove encontro de mulheres

O Encontro Estadual de Mulheres do MST da Bahia acontece a partir de hoje, dia 21, até 23 de novembro, no Assentamento Che Guevara, em Wenceslau Guimarães, Baixo Sul da Bahia. O evento reúne 250 mulheres das oito regionais do MST no estado e conta também com a participação do NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher) da UFBA.

A meta do encontro consiste em trabalhar a formação política das mulheres, para que estas se fortaleçam na organização. Pretende-se também começar a articular a mobilização do dia internacional da mulher, o 8 de março, do próximo ano. Análise da conjuntura política, a história da luta das mulheres e os desafios do movimento feminista são os eixos de debate do encontro.

Cartas

Saúdo com viva esperança o Plano Nacional de Reforma Agrária entregue ao Ministro Miguel Rossetto. Com certeza, nele estarão contempladas as reivindicações essenciais do MST, da CONTAG e da CPT. Que o ministro Miguel, se comporte como o Arcanjo: dê a tacada final no dragão que ameaça e devora a vida do povo, especialmente do povo do campo.
Fraterno e solidário abraço de Reginaldo Veloso, presbítero das CEBs) Reginaldo Veloso

Fiquei muito emocionada em saber que já tem um assentamento que homeagea a grande mulher paraense que foi Isa Cunha. Conheci Isa nos anos oitenta e fiquei impressionada com a garra, a lucidez e o companheirismo dela. Faz uma semana, que eu estava no assentamento Vila Diamante no Maranhão participando de um encontro da ANEPS – Articulação de Praticas e Movimentos em Educação Poular em Saúde – e tive a grande alegria de celebrar a mística de encerramento de mais uma etapa de Magistério de 70 jovens. Foi um grande presente poder estar naquele momento, ver e sentir a força destes jovens e o compromisso com a vida, a terra e seus filhos. Presenciei como o MST abre perspectivas e possibilidade para ficar no campo.
Luiza Huber

Sinto-me feliz com a liberdade do Mineirinho, do Zé Rainha e da Diolinda. Precisamos mesmo democratizar a midia,a educacao,a ciencia, o trabalho, a justiça, o acesso à moradia, à terra , aos bens da natureza,e muito mais. Que os deuses nos protejam sempre de todos os males desta terra maravilhosa e habitada por seres insanos! Wagner Pessoa Moreira