Conflito sobre a mídia no Brasil: um espelho distante

Por Norman Solomon

Depois de um quarto de século de intensiva organização a partir das comunidades de base e de uma campanha presidencial vitoriosa, há um ano, os movimentos sociais brasileiros estão numa posição forte, à medida em que pressionam o Partido dos Trabalhadores, de esquerda, a cumprir as promessas que havia feito. O contraste com o atual clima político de Washington é tão diametralmente oposto quanto a ocorrência das estações em um e noutro país. Apesar disso, os ativistas brasileiros estão, agora, dando muita prioridade à mesma preocupação que absorve um número cada vez maior de pessoas nos Estados Unidos – o imperativo de se desafiar a mídia corporativa.

Na noite do dia 10 de novembro, na sede da Associação Brasileira de Imprensa, aqui no Rio de Janeiro, mais de 100 ativistas se reuniram para lançar a Campanha Nacional para a Democratização da Mídia. Apesar do progresso pela justiça social, a mídia de massas no Brasil permanece firmemente nas mãos de nove ricas famílias, decididas a servir os interesses da elite econômica conservadora. As contradições entre o movimento democrático ascendente e a desgastada oligarquia da mídia são extremas.

O governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – conhecido por todos simplesmente como “Lula” – representa uma esperança para uma ampla fatia da população; pessoas empobrecidas, vítimas da vergonhosa desigualdade econômica do país. Um dos objetivos fundamentais é a reforma agrária – questão que se tornou proeminente nos recentes anos, sobretudo devido ao trabalho pioneiro do movimento diverso e bem organizado dos trabalhadores sem terra, o MST.

A constituição do Brasil estipula que a propriedade da terra que não estiver sendo utilizada para fins produtivos seja transferida para os cidadãos destituídos. Cansados, há muitos anos, com o fracasso do governo em não implementar essa estipulação, o MST organizou muitas tomadas de posse de terras, nos últimos anos.

Ataques violentos contra os trabalhadores sem terra pela polícia e pelos esquadrões privados têm sido cotejados com outros tantos ataques por parte dos maiores veículos de comunicação do país.

Os ativistas do MST estão sendo caluniados e difamados pelos principais meios de comunicação do Brasil. Eles dizem que a mídia do sistema está procurando “criminalizar os movimentos sociais”. É por isso que o MST juntou forças com muitos outros grupos para lançar a Campanha pela Democratização da Mídia.

Em muitas das reuniões que ocorreram no mês de novembro – inclusive o primeiro Fórum Social Brasileito, que fez convergir 25.000 ativistas para a cidade de Belo Horizonte – eu ouvi muitas pessoas compararem as lutas pela terra com as lutas pelo espaço na mídia. Um dos oradores chegou a conclamar por uma “reforma agrária das ondas aéreas”.

Um dos principais componentes da Campanha pela Democratização da Mídia é a proposta de boicote nacional contra a Veja, a maior revista semanal do país. Os ativistas chamam a revista de “símbolo da manipulação”.

Um exemplo recente de uma típica intriga da Veja foi um longo artigo totalmente parcial sobre as safras geneticamente modificadas – questão altamente controvertida no Brasil, país em que a Monsanto, a empresa gigante do setor de agribusiness sediada nos EUA, está ávida para conseguir controlar a elevada produção de soja.

“Veja” significa “olhe” em português. Assim, novos adesivos que promovem o boicote dizem: “Veja! Que Mentira!”

Nos vários anos em que os eleitores votavam para o Lula, os meios de comunicação mais importantes advertiam para o perigo das iniciativas mais progressistas, enquanto o encorajavam a abandonar os elementos básicos do programa do Partido dos Trabalhadores. “Assim”, comentava um líder da União Nacional dos Estudantes há alguns dias, “a luta pela mídia se torna mais importante”.

A recente abordagem conciliatória de Lula para com o Fundo Monetário Internacional é uma vitória para o monopólio da mídia no Brasil e para os interesses que ela representa. Mas ele parece estar avançando em relação a alguns aspectos da agenda pela justiça social, o que poderia colocá-lo em confronto com os titãs da mídia.

Enquanto lançam as bases para confrontar diretamente a concentração antidemocrática de poder dos meios de comunicação, os movimentos sociais brasileiros estão também desenvolvendo meios de comunicação independentes.

Grupos de comunidades de base estão fazendo uso eficaz de transmissores de rádio não licenciados que informam as favelas e outros bairros de maneiras que são impossíveis para a mídia capitalista. Um jornal semanal surpreendente que circula em todo o país, Brasil de Fato, está chegando ao seu primeiro ano de aniversário. Muitos outros meios de informação não-corporativa estão já em funcionamento, e tantos outros estão para serem lançados.

Esses meios fornecem um ambiente de trabalho muito diferente do que aquele oferecido pela mídia corporativa do Brasil. Muitos jornalistas que trabalham para os maiores meios de comunicação reclamam do fato de que estão sendo pressionados e coagidos quanto à cobertura noticiosa – essas restrições podem envolver a não cobertura de greves, ou a proibição de mencionarem que um governador tenha sido vaiado num evento público.

Depois de freqüentar reuniões e ouvir conferências por alguns dias em três cidades brasileiras, devo dizer que eu me senti em casa. Os movimentos pela democracia estão aprendendo a como se organizarem para a democratização da mídia. No Brasil e nos Estados Unidos, assim como em outros lugares, não somente vale a pena lutar por um livre fluxo de informações e opiniões, como também – é essencial fazê-lo.

*Norman Solomon é coautor de “Target Iraq: What the News Media Didn’t Tell You.” (“Alvo-Iraque: o que a mídia noticiosa não contou”). Para ler uma passagem do livro (em inglês), ou obter maiores informações, visite: www.contextbooks.com/new.html#target. Publicado em 14 de novembro de 2003 por CommonDreams.org Tradução: Agência Imediata