Conferência da Via Campesina comprova poder de organização do movimento camponês mundial

“Nos reunimos para reafirmar nossa determinação de defender nossas culturas e nosso direito de continuar existindo como camponeses e povos com identidade própria. Ficou claro que, por princípio, estamos em oposição total ao modelo neoliberal, que mata e destrói culturas, povos e famílias camponesas no mundo todo.” Essa afirmação fez parte da declaração final da IV Conferência Internacional da Via Campesina, que reuniu cerca de 500 pessoas durante os dias 14 e 19 de junho, em Itaici, interior de São Paulo.

Camponeses e camponesas de 76 países do mundo estiveram juntos para discutir e debater estratégias para enfrentar os desafios do atual contexto histórico e político mundial.
Por entender que a agricultura camponesa é fundamental para a eliminação da fome, da miséria e do desemprego, a Via Campesina, organização que agrega mais de 70 movimentos camponeses de todo o mundo definiu, durante sua Conferência, algumas prioridades para este ano: o combate sistemático aos transgênicos; o fortalecimento de ações em defesa da Reforma Agrária e da soberania alimentar; a preservação, multiplicação e troca de sementes nativas; a defesa dos direitos humanos e trabalhistas da população rural; o combate ao avanço da biotecnologia no campo; a oposição às políticas da OMC, FMI e Banco Mundial.

A partir de julho, a Via Campesina pretende realizar ações mundiais de luta contra a Organização Mundial do Comércio e as transnacionais. Para homenagear o agricultor coreano Lee Kyuong-Hae, que em protesto contra a OMC se matou em 2003 durante a reunião da organização em Cancún, México, a Via Campesina vai organizar, em 10 de setembro, uma marcha em Seul, na Coréia do Sul, com a previsão da participação de 1 milhão de pessoas.

A IV Conferência da Via Campesina foi um acontecimento histórico, porque comprovou que a organização e mobilização em escala global é a única saída para o atual processo político e econômico que só faz excluir e intensificar a pobreza de milhões de pessoas em todo o mundo.

Na declaração final da Conferência, a Via Campesina afirmou seu repúdio contra o recente informe da FAO ( Food and Agriculture Organization), principal organização da ONU para agricultura, que coloca a biotecnologia e os transgênicos como uma alternativa para acabar com a fome do mundo . “Considero a FAO um organismo importante, fundamental para a Via Campesina. Mas no momento ela se submeteu aos interesses das transnacionais agrícolas, e sua defesa dos transgênicos é inaceitável. Mas temos noção de que a FAO e a OMC não são a mesma coisa”, disse Paul Nicholson, dirigente camponês europeu.

O encerramento da Conferência foi marcado por uma cerimônia inca, celebrada por camponeses peruanos, que agradeceram à terra pela vida e sementes oferecidas por ela. Iluminados pelo pôr-do-sol e, depois, pelo nascimento da lua nova, cada representante camponês plantou uma árvore, no Bosque da Solidariedade, que ficará para as futuras gerações como uma prova viva da união entre os trabalhadores e trabalhadoras rurais.

A Conferência da Via Campesina mostrou como o movimento camponês está no centro das lutas populares em todo o mundo. A explicação para isso pode estar no fato de que o capitalismo financeiro internacional fez com que as empresas transnacionais passassem a controlar o comércio agrícola mundial, as sementes e a agroindústria. Este contexto intensificou a necessidade de união dos camponeses na luta contra o processo que os marginaliza e os expulsa do campo. Por exemplo, a mesma Monsanto que explora os trabalhadores rurais brasileiros, faz o mesmo com peruanos, indianos, africanos, mexicanos.