Manada midiática: O pensamento único e Reforma Agrária

Helton L. Ribeiro*

Há algum tempo a grande imprensa encontrou na figura do ex-presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) Xico Graziano seu herói na luta contra o MST. Contando com espaço privilegiado nos jornalões e semanários, Graziano foi alçado à condição de “uma das maiores autoridades no assunto”, aposto perpetrado pela Veja ainda agorinha, na edição desta semana. Afinal, além de oferecer a tese de que Reforma Agrária é coisa do passado, ele esteve do “outro lado”, à frente do órgão responsável pela desapropriação de terras para fins de assentamento de trabalhadores rurais. Era tudo o que a mídia queria.

O que temos visto, a partir daí, é a consolidação de um pensamento único na imprensa, o qual apenas CartaCapital, entre os periódicos mais importantes, ousou romper em reportagem de capa publicada no fim de abril com o título “As boas novas do campo”. De resto, o debate foi totalmente abolido e Graziano tornou-se a fonte única e oficial para qualquer matéria sobre reforma agrária (uma bela guinada na carreira de alguém que ficou nacionalmente conhecido por ter seu nome envolvido no episódio dos grampos telefônicos que gravaram conversas sobre a compra de equipamentos do Sivam, o Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia, em 1995).

A reforma agrária fracassou. De forma geral, essa tem sido a tônica de artigos, editoriais e reportagens sobre o tema. Os assentamentos nada produzem, o índice de abandono é de 40% e muitos assentados vendem seus lotes. Diante disso, o MST não passa de uma organização anacrônica (quando não criminosa), expressão de um país atrasado que não aceita a modernidade do agronegócio.

Pesquisas sérias

Com a ajuda de Graziano, a mídia tenta demonstrar à sociedade que o dinheiro público investido no assentamento de trabalhadores sem terra é um dinheiro jogado fora. E aí eles acertam um golpe certeiro: que cidadão fica indiferente ao fato de pagar impostos para que os recursos sejam desperdiçados pelo governo? Ainda mais quando esses recursos financiam a “baderna”, a “anarquia”, o desrespeito ao Estado de Direito etc.

Toda essa charlatanice intelectual prejudica enormemente o avanço da reforma agrária. Não tanto por desacreditá-la, mas por impedir que se discutam seus reais problemas. Se existe abandono de lotes, é preciso saber onde e por que ocorrem. Mas isso está fora de questão, pois o problema do abandono é apresentado como se fosse generalizado. Ninguém questiona qual a representatividade dos casos apontados na imprensa.

Seria necessário, antes de tudo, conhecer o problema por meio de pesquisas sérias, criteriosas e que não escondam sua metodologia. Cito uma delas como exemplo: a pesquisa “A qualidade dos assentamentos da reforma agrária”, desenvolvida pela Universidade de São Paulo, em conjunto com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e o Incra. Um esclarecimento aos desavisados: essa pesquisa foi concluída em 2002, e, portanto, nada tem a ver com o governo atual.

O ignorante e o crimisoso

Algumas das questões a que o livro se propõe responder são justamente: quantas famílias abandonaram seus lotes? Quais são as condições de vida e de moradia dos assentados? Estão eles recebendo o apoio e o financiamento de que necessitam e aos quais têm direito? Quais foram os avanços do ponto de vista da renda familiar, da organização social, da cidadania? Para responder a essas questões, foram entrevistadas 14.414 pessoas em 4.430 assentamentos (quase todos os que foram criados entre 1985 e 2001), representando um universo total de 458.483 famílias assentadas.

Os resultados encontrados são bem diferentes daqueles que aparecem comumente na mídia. O número de lotes vagos, por exemplo, é muito pequeno se comparado ao número de lotes ocupados. E o coordenador da pesquisa, Gerd Sparovek, ainda faz a ressalva de que os métodos meramente quantitativos e estatísticos não são os melhores para que se faça uma avaliação profunda. Segundo ele, outros critérios precisam deixar de ser considerados secundários, como a qualidade de vida da população assentada, os impactos ambientais, o desenvolvimento econômico dos projetos e os benefícios regionais.

Infelizmente, parece que a escolha da mídia já foi feita e o debate ficou mesmo de fora. O leitor, por sua vez, não tem parâmetros para julgar. É obrigado a confiar naquele que lhe é apresentado como “especialista”. Como dizia Bertolt Brecht, “aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante. Mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”.

*Helton L. Ribeiro é jornalista