MST cultivando a diversidade construindo a soberania nos assentamentos de Reforma Agrária

A diversidade genética das plantas e animais é o mecanismo que há milênios tem permitido a adaptação desses seres aos mais diversos ambientes, ao mesmo tempo que tem oferecido base material para o seu melhoramento genético. Durante milhares de anos os seres humanos foram domesticando, melhorando e selecionando as espécies e variedades mais interessantes para o seu uso, principalmente do ponto de vista alimentar, cultural e religioso, buscando na natureza o seu alimento em abundância e perenemente.

Porém em épocas recentes, nos últimos 100 anos, e isto na história da humanidade representa pouquíssimo tempo, as sementes e as raças animais passaram a ser apropriadas por empresas privadas que se intitulam “proprietárias” do conhecimento e saber milenar e passaram a lançar “novas variedades” no mercado. Produzidas sob a ótica do produtivismo preconizado pela mal chamada “Revolução Verde” que na verdade foi uma grande vitória das empresas privadas e países industrializados sobre o conjunto dos agricultores do mundo todo. Este processo impôs um modelo tecnológico pautado nos interesses do sistema agro-industrial, baseado na genética-química-mecanica e subordinou os interesses e estratégias dos agricultores às industrias.

Estas variedades de plantas e animais consideradas “modernas” vieram acompanhadas, além do pacote tecno-industrial, de uma série de instrumentos tecnológicos e jurídicos que escravizam os agricultores e estabelecem todos os poderes às industrias, tais como:

– Variedades híbridas: os melhoramentos genéticos foram realizados no sentido de se aproveitar o vigor híbrido das plantas e animais, que proporcionam maior potencial de produtividade. Porém para se alcançar esta condição, são necessários os cruzamentos de linhagens genéticas que são mantidas em segredos pelas industrias, garantindo assim a exclusividade na produção de híbridos. Além desta exclusividade por detenção das linhagens, outra característica infame dos híbridos, é que eles manifestam o “Vigor Híbrido” somente na primeira geração, degenerando-se geneticamente nos cultivos seqüentes. Ora, isto obriga aos agricultores buscarem no mercado, todos os anos, sementes híbridas para cultivarem, pois se resolverem utilizar sementes de cultivos anteriores, terão baixíssima produtividade ;

– Leis de patentes e cultivares: com o objetivo de “proteger” seus interesses e escravizar mais ainda os agricultores, as industrias de sementes, apoiadas pelos países industrializados, passaram a pressionar os governos para criarem leis que garantam a “propriedade intelectual” também para sementes e animais. Isto obriga os agricultores, além de pagar preços elevadíssimos pela sementes, também a pagarem os “royaltes” para elas, que são taxas de aluguel pelo uso da tecnologia;

– Imposição dos transgênicos: como instrumento mais contemporâneo na dominação da agricultura pelas grandes empresas do ramo da genética, apresenta-se agora os transgenicos. Os transgenicos significam o conjunto das mazelas que a posse privada da genética e as legislações perniciosas podem oferecer: não permitem a multiplicação ano após ano, custam altíssimo valor, cobram royaltes, oferecem sérios riscos ao ambiente e a saúde humana e estão subordinados aos interesses privados, do grande capital financeiro internacional, deixando mais a deriva ainda os agricultores.

Estas empresas transnacionais, fizeram recentemente, alianças estratégicas com o latifúndio, capital financeiro, capital industrial e países imperialistas e atualmente, as 5 maiores transnacionais controlam mais de 75% do comércio mundial de grãos. A integração, seja vertical (dentro do mesmo segmento) ou horizontal (com outros segmentos) é alarmante no setor agroalimentar, sendo que há 20 anos existiam milhares de empresas produtoras de sementes e nenhuma atingia 1% do mercado. Hoje, 10 empresas controlam 30% do mercado mundial.

Estratégias de resistência de superação desenvolvidas pelo MST

Para enfrentar a esta escravidão e recolonização implantada pelos países industrializados e pelas transnacionais, a Via Campesina Internacional (entidade que articula diversos movimentos campesinos em mais de 80 países) lançou a Campanha: Sementes Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade, que tem por objetivo central reafirmar e lutar pelos direitos históricos e naturais dos povos em acessarem e cultivarem livremente a Biodiversidade do planeta. O MST, como integrante da Via Campesina Brasil, está engajado na campanha e desenvolvendo inúmeras iniciativas que contribuam, não somente para o resgate da autonomia dos camponeses em produzir suas próprias sementes e raças animais, mas para que esta campanha seja um instrumento fundamental para a construção de um novo modelo de agricultura, pautado na agroecologia, reconstituição das paisagens, promoção da segurança alimentar e soberania alimentar dos povos, recuperação da capacidade produtiva dos solos, repovoamento da mata ciliar e áreas de reserva florestal, dentre outras inúmeras iniciativas.

Enquanto estratégias de ação o MST desenvolve como mecanismos para garantir a solidez e enraizamento necessários da campanha sementes as seguintes questões:

– A Ação coletiva: a campanha sementes é uma tarefa estratégica que permeia o conjunto do MST, envolvendo todos os seus setores instancias, com atenção especial para as relações de gênero e gerações. A estratégia é realizar ações que trabalhem com o conjunto da base social do movimento, forjando consciências e criando iniciativas afirmativas;

– O manejo da agrobiodiversidade: o manejo da agrobiodiversidade de forma planejada e sustentável é o pilar para a construção da agroecologia. Neste sentido estamos desenvolvendo em todos estados que estamos presentes, inúmerasiniciativas como hortas e pomares ecológicos, quintais diversificados, sistemas agroflorestais, policultivos de cereais, sistemas de manejo racional de pastagens, etc. Estas iniciativas são motivadas a nível nacional, porém é nos estados que se dá o planejamento e elaboração das estratégias, buscando adaptar para cada contexto local a melhor forma de interagir com as famílias e o ecossistema.

– A Rede Bionatur Sementes Agroecológicas: desde 1997 o MST implantou a experiência inédita de produzir sementes de hortaliças totalmente ecológicas nos assentamentos da metade Sul do RS. A partir de 2003 o MST potencializou a Bionatur e a transformou em uma grande rede de sementes nacional, que está em fase de implantação e expansão em diversos estados do Brasil. A Bionatur constitui uma iniciativa que realiza todo o ciclo da cadeia de produção das sementes, indo desde o cultivo, industrialização e distribuição das mesmas, garantindo assim que as suas sementes, livres de agrotóxicos, híbridos, transgenicos e propriedade intelectual, sejam acessadas e cultivadas por grande número de camponeses e organizações sociais, com preço de mercado inferior aos das empresas do ramo. Atualmente a Bionatur produz e distribui mais de 50 variedades de sementes de hortaliças ecológicas.

É com estas propostas e esta compreensão política que o MST organiza a base social para lutar por reforma agrária e melhores condições de vida do conjunto da sociedade, reafirmando os valores éticos e morais de que a vida e o alimento não são mercadorias e, por isso, não podem ser de propriedade privada.