Os outros culpados

Por Aton Fon Filho

Cinco pessoas, cinco trabalhadores rurais Sem Terra, foram assassinados em Minas Gerais, numa operação de guerra que resultou também em treze outras feridas, no dia seguinte àquele em que o Tribunal de Justiça do Estado do Pará garantiu a impunidade de todos, exceto dois dos matadores fardados que participaram do massacre de Eldorado de Carajás.

Chacina, massacre, extermínio, as palavras vão sendo gastas na busca de alguma originalidade que garanta a possibilidade de gerar um impacto que os fatos já não produzem em uma sociedade que se acostuma à idéia de que os Sem Terra devem ser dizimados porque são rotineiramente dizimados.

Alguns dos pistoleiros possivelmente serão presos, e soltos depois de alguns dias porque os juízes demorarão com os processos e dirão que não podem mantê-los presos indefinidamente.

Alguns fazendeiros serão investigados, presos alguns dias, e terão também direito de serem postos imediatamente em liberdade, porque os advogados argumentarão, os promotores concordarão e os juízes decidirão que têm propriedades que os “ligam ao distrito da distrito da culpa”, são pessoas de bem, alguns exercendo mandatos.

Por fim, algum dos pistoleiros – quem sabe alguém que tenha morrido de embolia pulmonar ou cirrose hepática ao longo do processo – serão tidos como responsáveis únicos pelos assassinatos, os senhores jurados daquela cidadezinha interiorana absolverão os matadores porque, afinal de contas, “esses Sem Terra vieram pra cá criar problemas”, exatamente como a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo argumentam.

Os professores de filosofia e ética nas academias, os colunistas que bradam pela abertura dos arquivos da ditadura depois de terem mantido mais de uma década arquivos militares fechados, aguardando o melhor momento para transformá-los em lucro e os políticos tucanos de todos os partidos dirão uma e mais uma vez que a impunidade é a mãe da reincidência, mas seguirão condenando a radicalização no campo promovida – segundo todas as pessoas de bom critério – pelos… Sem Terra.

E o círculo se fechará até a próxima ocorrência que demonstre que em lugar de um círculo, temos uma espiral que se amplia em padrões semelhantes mas intensidade e extensão maiores de violência contra os trabalhadores.

Mas a sociedade acreditará, então, que todos os trabalhadores rurais assassinados na luta pela terra foram vítimas de suas próprias obstinações de ir em busca da terra em cidadezinhas onde não são bem recebidos. Porque os advogados afirmam, os promotores concordam e os juízes decidem que os fazendeiros são todos gente de bem, com posses e ligação ao distrito. Da culpa hão de falar, decerto, de algum pistoleiro que morreu de embolia pulmonar, da impunidade mãe da reincidência e da sociedade toda, esparzida a culpa entre todos.

Sem culpa, por certo, estarão os jornalistas que titulam suas matérias “Invasão em acampamento do MST mata 5 e fere 13 em MG”, “Sem-terra morrem em MG” sempre excluindo a ação dos fazendeiros e brincando com a palavra “invasão” para induzir os leitores a associar a violência com os trabalhadores do campo; ou aqueles que chamam os trabalhadores de “$em terra” enxergando nos outros os cifrões que compram suas próprias consciências e suas associações com a tucanagem e a sacanagem das Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito do latifúndio.

A Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo também não terão culpa, apesar de diariamente acusarem os trabalhadores Sem Terra de serem violentos, o que nunca se lembram de dizer dos fazendeiros ou da UDR, que paga os seus cadernos agrícolas.

E assim, como somente alguns pistoleiros que invariavelmente morrem de cirrose ou embolia pulmonar são culpados por tais chacinas, tudo ficará como antes, o Presidente Lula abraçará o Ministro Rodrigues e todos dormiremos tranqüilos, porque não há outros culpados pelos recorrentes assassinatos de trabalhadores Sem Terra.