Fórum articulará lutas contra privatização da terra e da água

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Fórum articulará lutas contra privatização da terra e da água

07/12/2004

Por Mauricio Thuswohl
Fonte Agência Carta Maior

Elemento imprescindível para praticamente todas as formas de vida no planeta, bem inalienável para a humanidade, a água doce é também um recurso fundamental para uma produção agrícola dedicada à soberania alimentar das nações e voltada para os interesses sociais dos trabalhadores da terra. Partindo dessa premissa, o grupo de trabalho encarregado de analisar o tema “acesso, uso e gestao da água” durante o 1º Fórum Mundial da Reforma Agrária (FMRA) pediu a inclusão, nas decisões finais do evento, de uma resolução determinando que a luta contra a privatização e o controle dos recursos hídricos mundiais pelos grandes conglomerados capitalistas é parte indissociável da luta pela Reforma Agrária.

Realizar na prática a ligação entre essas duas lutas é, portanto, um dos principais desafios das entidades e movimentos presentes ao FMRA. Essa legação deve ser acelerada nos próximos meses, de forma que até o próximo Fórum das Águas _ que acontecerá em Genebra, na Suíça, em março de 2005 _ já esteja alinhavada uma agenda de mobilizações internacional que permita uma maior articulação das organizações da sociedade civil frente às ameaças de privatização do acesso e uso tanto da terra quanto da água.

A principal ameaça identificada pelos participantes do FMRA é, mais uma vez, a atuação predatória das grandes empresas transnacionais nos países mais pobres. Seja na América Latina, na África ou na Ásia, essas empresas pressionam os governos a adotarem políticas que restringem o acesso das populações mais necessitadas aos recursos hídricos. Essa restrição se dá através da mera privatização das empresas públicas de gestao dos recursos hídricos, do monopólio sobre as fontes de água potável ou da pressão pela realização de mega-projetos que visam concentrar nas mãos do agronegócio o controle sobre esses recursos.

A atuação dos governos da maioria dos países desenvolvidos e de alguns organismos internacionais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da Ásia também é considerada uma ameaça pelos participantes do FMRA: “Ao negociar acordos bilaterais, os governos dos países ricos tentam impor aos mais pobres a privatização dos recursos hídricos como contrapartida. O mesmo acontece com as instituições multilaterais de financiamento, que se utilizam da política da chantagem”, afirma Carlos Santos, membro da ONG Amigos da Terra no Uruguai.

Combater os Megaprojetos

Uma das principais ferramentas utilizadas pelo grande capital para controlar o acesso, o uso e a gestão da água é a pressão pela realização nos países menos desenvolvidos de mega-projetos como barragens, dutos de irrigação e obras de transposição da água de grandes rios e lagos. Esses projetos, quando não beneficiam diretamente as grandes empresas do setor hídrico, são voltados para fortalecer a monocultura e acabam sendo um fator de afastamento dos camponeses tanto dos recursos hídricos quanto das terras cultiváveis.

Nesse quadro, o projeto de transposição das águas do rio São Francisco no Brasil deverá receber, ao lado de outros megaprojetos, uma moção de repúdio na plenária de encerramento do FMRA. Durante a reunião do grupo de trabalho sobre a água, o caso do são Francisco foi citado como exemplo de benefício ao agronegócio: “O governo brasileiro quer transpor as águas de um dos nossos maiores rios, mas essa transposição acabará por beneficiar aos grandes produtores e à monocultura voltada para exportação em detrimento dos pequenos agricultores”, afirmou Wilson Luiz, membro da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura do Brasil (Contag).

Depois de afirmar que “muitos assentamentos de trabalhadores rurais no Brasil se inviabilizam pela impossibilidade de acesso aos recursos hídricos, Wilson Luiz analisou o governo brasileiro: “Temos um presidente que veio do povo e em quem depositamos confiança. Mas, seu governo é de composição com outros setores e, por isso, temos alguns ministérios que defendem os interesses sociais enquanto outros ministérios defendem o oposto”, disse.

Fortalecer Comitês de Bacia

Os problemas causados pela tentativa de controle dos recursos hídricos pelo grande capital se espalham pelo mundo. Nas Filipinas, a perfuração ilegal de poços para escoamento de dejetos químicos, feita sobretudo pelas empresas transnacionais de exploração das plantações de banana, contaminou as águas subterrâneas e jogou na miséria milhares de pequenos agricultores que trabalham no cultivo de arroz, uma das principais atividades econômicas do país. Em Burkina Faso, um dos países mais secos da África, a ação das transnacionais fez com que a pouca água existente esteja concentrada em meio urbano para fins comerciais, deixando os milhões de trabalhadores rurais do país na mais absoluta penúria: “No campo, as pessoas têm que cavar poços artesianos para matar a sede. Mas, como a água na maioria das vezes não é potável, este consumo causa muitas doenças e mortes. É terrível, mas não existe em meu país nenhum interesse político em reverter isso”, afirma Traore Désiré, da direção da ONG Action Aid.

Na América Latina foram relatados casos semelhantes em Guatemala, Nicarágua, Colômbia, Bolívia e Equador. Nos dois últimos, estão aguardando votação no Parlamento projetos de lei que visam facilitar a privatização dos recursos hídricos. A melhor maneira de se opor a essas iniciativas, além da realização de mobilizações populares, é fazer com que os comitês de gestao por bacia hidrográfica existentes em cada país estejam sobre o controle das organizações da sociedade civil: “A luta pelo controle dos comitês de bacia será muito importante nos próximos anos. As grandes empresas facão de tudo para controlá-los, em muitos casos com a conivência dos governos, e precisamos estar preparados e articulados internacionalmente para essa disputa”, afirma Ivan Cisneros, membro da ONG Amigos da Terra no Equador.