Transposição do São Francisco vai encarecer custo da água

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Transposição do São Francisco vai encarecer custo da água

17/12/2004

Por Luis Brasilino
Fonte Jornal Brasil de Fato

Uma batalha jurídica se aproxima e promete ser decisiva na questão da transposição do Rio São Francisco. Segundo informações do Ministério da Integração Nacional, principal responsável pelo projeto, resta apenas a decisão de dois fóruns para definir o início, ou não, das obras: o licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a decisão sobre o aproveitamento externo dos recursos hídricos da bacia do São Francisco.

Um impasse é previsível porque, neste segundo fórum, há uma discussão sobre quem tem mais competência para decidir: o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), ou o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Será uma disputa dura porque as posições dos dois órgãos devem ser bastante diferentes.

O Comitê, composto essencialmente por representantes da sociedade civil, já se posicionou contrário ao projeto como ele vem sendo apresentado pelo Ministério da Integração. O Conselho, que ainda não se manifestou, é formado, na maioria, por membros do governo federal e deve apoiar os desejos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – fervoroso defensor da transposição.

Goela abaixo

João Bosco Senra, secretário executivo da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e também do CNRH, diz que a obra é decisão de governo. “O Conselho tem competência para deliberar quando a questão envolve muitos Estados e o Comitê extrapolou seu raio de atuação quando decidiu sobre o uso externo da água da bacia do São Francisco”, avalia.

No entanto, segundo a engenheira agrônoma Maria Higina do Nascimento, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) e membro do Fórum Permanente em Defesa do São Francisco, a decisão compete a quem está na bacia doadora. “Eles estão querendo empurrar esse projeto goela abaixo”, declara.

Sem reunião

No dia 30 de novembro, a briga jurídica teve seu episódio mais acalorado, desde o início das discussões sobre a transposição. Nesta data, iria se realizar uma reunião extraordinária do Conselho para apreciar a questão do aproveitamento externo da água.

Porta-vozes do governo anunciavam que, vencendo o debate no CNRH e tendo seu projeto inicial aprovado, nada mais impediria o início das obras da transposição, em março de 2005.

Contudo, desde a semana anterior, começaram a chegar à Justiça ações contrárias à reunião. Na principal delas, movida pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal (DF), Iolete Maria Fialho de Oliveira, juíza da 16ª Vara Federal do DF, julgou que a reunião do Conselho não poderia ocorrer, pois o Comitê ainda não encerrou suas discussões.

Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional, anunciou que vai entrar com ação para cassar essa liminar, mas, de todo modo, a reunião foi cancelada. Mesmo que Gomes tenha sucesso, levará algumas semanas para o Conselho se encontrar novamente.

Para os críticos da obra, o Ministério da Integração convocou a reunião do Conselho com o intuito de mudar a decisão do Comitê que, no final de outubro, decidira que o uso das águas do São Francisco, fora da bacia, seria restrito ao consumo humano e animal, desde que as bacias receptoras fizessem um estudo para comprovar a necessidade do envio dessa água.

“Essa decisão, tomada por esmagadora maioria, praticamente inviabiliza o projeto, porque ele não foi feito para isso”, argumenta Ruben Siqueira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Bahia.
O objetivo central da transposição é levar água para fomentar o agronegócio no semi-árido. Segundo Roberto Malvezzi, o Gogó, coordenador nacional da CPT, se as obras forem concluídas, 70% da água será usada para irrigação, 26% para consumo em grandes cidades, e apenas, 4% para a dispersa população do semi-árido.

Demagogia

O Ministério da Integração, por sua vez, informa que o objetivo da transposição é oferecer segurança hídrica – garantia de que não vai faltar água para beber e que, quando sobrar, a água poderá ser utilizada para finalidades econômicas, ou seja, ser consumida pela indústria, ecoturismo, irrigação, apicultura etc.
A crítica final ao projeto é que ele se encaixa perfeitamente na lógica da indústria da seca. “Grandes obras, uso de muito dinheiro público (R$1,078 bilhão, só em 2005), empreiteiras gigantes e pouca discussão”, descreve Gogó.

Críticos da obra sugerem soluções estruturais microregionais e políticas públicas de convivência com o semi-árido como alternativas ao megaprojeto da transposição. Quanto ao governo, tem se omitido dos debates.