De volta à base, Frei Betto avalia governo Lula

Informativos – Últimas do MST
De volta à base, Frei Betto avalia governo Lula

28/01/2005

Fonte: Adital
Por Sérgio Ferrari

Frei Betto está solidário com Lula. Julga como positivo alguns avanços na política social e nas relações internacionais, no entanto, não concorda com as prioridades econômicas do atual governo brasileiro, tal como expressa nesta entrevista. Para ele, o diálogo com os movimentos sociais deve ser “corroborado por políticas concretas que, efetivamente, realizem transformações”.

Escritor e teólogo da libertação, histórico militante popular – mesmo sem nunca ter se filiado ao Partido dos Trabalhadores – o religioso dominicano acaba de abandonar o governo após ocupar durante 730 dias a coordenação do Programa Fome Zero, principal bandeira social de Lula.

Parece que a equação mais angustiante no Brasil de hoje é a que se vive entre o tempo político que se esgota e a possibilidade real de mudanças que beneficiem a população mais marginalizada.

Frei Betto: Sim, é verdade. Chico Buarque fez uma observação muito interessante neste sentido. Disse que Lula foi eleito depois que havia passado o tempo político das mudanças. Penso que, todavia, há tempo. Sobretudo, pensando que a reeleição de Lula para 2006 está assegurada.

Ao falar com certos dirigentes sociais, nota-se uma grande preocupação. Qual é a margem real de paciência do movimento social?

Betto: Todavia bastante amplo. Porque Lula é muito inteligente, não rejeita o movimento social, mantém abertas as portas do diálogo que funciona. No en tanto, esse diálogo deve ser corroborado por políticas concretas que, efetivamente, realizem transformações, já que se não há mudanças, as pessoas se decepcionarão. Não no sentido de não apoiar a Lula em 2006, mas que irá buscar uma alternativa militante Dora do Partido dos Trabalhadores.

Quando começou a colaborar em 2003 com o Programa Fome Zero, imaginava este cenário atual?

Betto: Nunca fui ingênuo. Sabia que a política econômica ia ser conservadora. Não pensava que poderia cegar a ser, no entanto, tão conservadora como a atual. E pensava também que a implementação das políticas sociais seria mais fácil do que realmente é. A princípio, tive uma visão um pouco mais otimista do que a que passei a ter algum tempo depois de estar no governo.

Como definiria o atual governo?

Betto: Como um chofer de um carro que tenta avançar no social, porém puxando permanentemente o freio de mão do econômico.

Alguns falam que Lula está “cercado” ou “mal aconselhado”…

Betto: Não. Lula é responsável por todas as decisões do governo. Não me parece que esteja mal assessorado. Creio que fez uma opção ante esta contradição que vive o país. Entre uma política social dinâmica e uma política econômica conservadora. Lula está muito consciente. Penso que enquanto mantenha a atual equipe econômica, o verdadeiro desenvolvimento duradouro do Brasil vai ser dificultado.

Paradoxalmente, alguns índices indicam certos avanços macroeconômicos. E diversas pesquisas falam de um aumento da popularidade do presidente, especialmente entre setores marginalizados.

Betto: Assim é. E isso se explica porque Lula aumentou a auto-estima do povo brasileiro. As pessoas agora pensam que, se um operário que nunca foi à universidade pode governar bem este país, cada um de nós pode ter dignidade. Apreciam muito Lula, que continua sendo um dirigente carismático. Identifica-se com ele. E não tem permanentemente em sua cabeça a análise política refinada. Isto favorece o governo apesar de certas contradições que nós constatamos.

Há mais de 25 anos você está unido a Lula por uma amizade muito forte. Você poderia dizer que a relação continua a mesma de quando ele era um militante operário metalúrgico de base?

Betto: Sim. Fui e continuo sendo muito amigo de Lula. Do ponto de vista do caráter, é o mesmo homem de sempre. Com uma sensibilidade social muito grande, uma vez que vem da miséria mais profunda. Porém, do ponto de vista de sua visão estratégica, enquanto a como construir um país mais justo, creio que houve mudanças. Hoje é menos de esquerda, é mais pragmático e está administrando o que ele considera possível e não tanto o que seria desejável.

Pensa que o PT deixou de ser um partido de esquerda?

Betto: Não. Porque há muita luta interna, contradições. Alguns estão eufóricos com a política econômica deste governo. Outros estão perplexos e há, também, os descontentes.

E você, como se define?

Betto: Como um perplexo otimista

Gostaria de voltar a algo essencial. Por que você renunciou a seu cargo público?

Betto: Porque não tinha mais argumentos para defender a política econômica do governo. Eu disse isso claramente a Lula e ele entendeu. Por outro lado, mesmo que o governo tivesse sido melhor, também eu o teria deixado. Não tenho vocação para funcionário.