A década da água

Por Roberto Malvezzi

A partir do dia 22 de março, dia mundial da água, está estabelecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) a “década da água”. É um esforço de reverter o quadro dramático e progressivo de eliminação de mananciais e deteriorização da qualidade das águas planetárias. A sociedade civil acrescenta à essa agenda a luta contra a privatização e mercantilização das águas. Enfim, aquilo que se chama de “crise planetária da água” já ganha contornos precisos e claros. Até 2015 haverá um esforço concentrado na reversão dessa já trágica realidade. Na verdade, lidar com quantidades limitadas de água, aproveitar a gota disponível, preservar mananciais, cuidar da qualidade das águas, será uma tarefa para o resto dos dias da humanidade.

Aos problemas antigos – tão recentes! – somam-se outros mais recentes ainda. Os últimos estudos da WWF (World Wide Foundation) sobre o aquecimento global mostram que as geleiras já estão se derretendo, principalmente as do Himalaia, que alimentam rios da China, Índia e Nepal. É um recuo de dez a quinze metros por ano. O monte Kilimanjaro, na Tanzânia, pela primeira vez em sua história teve o derretimento de suas geleiras. Esse fenômeno imediatamente significa mais enchentes, porém, a longo prazo, significa perda da fonte que abastece rios tão grandes e tão importantes. Além do mais, significa que haverá mudança drástica na equação planetária da proporção entre as águas doces e águas salgadas – 97,6% de salgadas versus 2,4% de águas doces -, já que 2% das águas doces existentes estão exatamente nas geleiras. O fenômeno converterá água doce em água salgada – a proporção passará a ser de 99,6% de salgadas contra apenas 0,4% de águas doces – diminuindo a oferta de água doce, elevando o nível dos oceanos, inundando as áreas baixas dos litorais e ilhas de pouca altitude. Um fenômeno descomunal, do qual as tsunami são apenas um exemplo insignificante. Um detalhe: o fenômeno é obra da ação humana.

É inegável certo esforço brasileiro para reverter o gerenciamento caótico de nossas águas. A nação mais rica em água doce do planeta só agora pensou em elaborar um Plano Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Gostaríamos que a expressão “recursos hídricos” fosse banida, já que representa uma visão econométrica da água. Deveríamos elaborar um Plano de Gestão do Patrimônio Hídrico Brasileiro. Entretanto, como é uma determinação legal, a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, executando uma de suas atribuições estabelecidas na Lei Brasileira de Recursos Hídricos, 9.433 de 1997, está elaborando o referido Plano. É o primeiro da história do Brasil. Ele não substitui os Planos de Bacia e nem os Planos Estaduais de Recursos Hídricos, mas oferecerá diretrizes gerais que poderão influenciar a construção dos planos por bacia e por estado. Para tal estabeleceu uma metodologia participativa, promovendo um momento especial para a sociedade civil opinar sobre as diretrizes do Plano. Haverá momentos para órgãos governamentais e usuários, além dos grupos técnicos encarregados de fornecer a base científica do Plano. A questão chave é saber qual a força desse Plano diante de interesses econômicos monumentais como os do setor elétrico, do agronegócio, do hidronégócio, das empresas que exploram águas minerais, assim por diante. Há uma desconfiança total depois que o governo federal menosprezou o Plano Diretor da Bacia do São Francisco e tenta impor o projeto de transposição de suas águas.

Porém, não há como desistir. Na água está o futuro do planeta, inclusive o nosso como espécie humana. Por prazer ou a contra gosto teremos que nos envolver com um dos maiores desafios que a humanidade já enfrentou.