“Só a mobilização popular pode trazer mudança de rumos”, diz Stedile

Entrevista de João Pedro Stedile, da Direção Nacional do MST, ao jornalista Mario Augusto Jacobksind. Publicada no jornal Brecha, de Montevideo (Uruguai)

Como você avalia o atual momento brasileiro, depois da saída de José Dirceu do governo?

Estamos vivendo uma grave crise. Crise de caráter estrutural pela continuidade de uma política econômica claramente neoliberal, que apenas aprofunda os problemas do povo. Crise provocada pelas alianças do governo com setores conservadores e suas oportunidades. Crise provocada pela direita e suas ligações com o governo Bush, que tem como objetivo derrotar politicamente o governo Lula. Bush quer ter como resultado a continuidade de um mandato neoliberal, seja na derrubada ou, na melhor das hipóteses, na garantia do retorno do governo aos conservadores nas próximas eleições, em 2006. E se o presidente Lula continuar com popularidade, terão que pelo menos repactuar com ele as condições de um segundo mandato ainda comprometido com a manutenção dos acordos neoliberais.

A saída do ministro José Dirceu não altera em nada esse quadro. Pelo contrário, o reforça pois sua saída representa a perda de influência dos setores petistas que defendiam dentro do governo a volta a um projeto de desenvolvimento não neoliberal. Quem sai vencedor, por ora, são os setores neoliberais do governo representados pelo ministro da Fazenda Antonio Palloci.

Você acredita que o governo Lula pode ainda retomar a linha programática prometida na campanha que o elegeu em outubro de 2002?

Claro. Mas tudo depende de correlação de forças. Não depende mais de declarações de boa vontade, nem do presidente, nem de setores do governo e nem do PT. Depende agora da possibilidade de realizamos mobilizações de massa exigindo mudanças na política econômica e uma reforma política ampla para que o governo Lula não continue refém de suas alianças conservadoras e seus compromissos com os neoliberais. Se não houver mobilizações de massa teremos um governo de natureza neoliberal.

Acha que Lula está sendo mesmo desestabilizado pela direita? Em caso afirmativo, explique como entende o funcionamento do esquema?

O governo está em crise. Mas ainda não se desestabilizou. Como disse acima, a direita joga com várias alternativas. A primeira é manter o governo refém de acordos neoliberais e, na pior das hipóteses, derrubá-lo. Ou então derrotá-lo politicamente por antecipação para que com sua desmoralização política, a direita volte a ganhar as eleições em 2006. Esses esquemas de ofensiva contra o governo e o PT fazem parte de uma articulação que envolve o PFL, o PSDB, as áreas influenciadas pela política do governo Bush, como os serviços de inteligência que operam aqui dentro, em concluio com o monopólio que exercem nos meios de comunicação de massa. Esse triunvirato é que operou uma estratégia de desmoralizar o governo para derrotá-lo politicamente.

E o MST, como vai depois da Marcha de Goiânia a Brasília, que reuniu 12 mil trabalhadores e trabalhadoras?

O MST fez um acordo com o governo Lula em que o governo se compromete a retomar o Plano Nacional de Reforma Agrária, garante que vai cumprir seu compromisso de assentar as 400 mil famílias previstas – até agora assentou em torno de 100 mil – e prioriza uma solução para área as famílias acampadas. Mas a possibilidade de massificar a Reforma Agrária e acelerar a implantação do Plano depende de mudanças na política econômica. Por isso, o MST se junta com outros movimentos sociais e forças políticas na Coordenação de Movimentos Sociais, levantando o coro das exigências de mudanças na política econômica. Sem mudanças na política econômica não teremos Reforma Agrária. E aí teremos que ampliar nossas mobilizações nos próximos meses.

Você acha que o governo Lula vai cumprir as promessas feitas na área de Reforma Agrária?

Isso vai depender também de como o governo vai sair dessa crise política. Se o governo encontrar uma saída pela direita, de ampliar seus compromissos com o capital internacional, diminuem as chances de implementar a Reforma Agrária. Mas se o governo for cada vez mais para direita, se afasta também de todo povo, e não apenas do MST. É o governo que terá que fazer essa escolha Nós, do MST, continuaremos com nossa autonomia e aplicando nossa linha política. Precisamos permanentemente organizar os trabalhadores e trabalhadoras e mobilizá-los. A única certeza da possibilidade de mudanças, em qualquer parte do mundo, no Brasil, no Uruguai, na Argentina, na China, é se os trabalhadores se organizarem de forma independente, se mobilizarem e lutarem por mudanças. Nunca, nenhum governo deu nada de graça.