Prioridade do governo é apoio ao agronegócio, afirma Stedile

Por Fritz Utzeri Fonte Montbläat Considerando que o direito à propriedade é um dos pilares do sistema capitalista, como se pode qualificar de comunista um movimento que, como o MST, se propõe a expandir esse direito? Qual é o conceito de "terra improdutiva" que justifique as ocupações seguidas de desapropriação para efeitos de Reforma Agrária? Qual é o tamanho real do problema?

Por Fritz Utzeri
Fonte Montbläat

Considerando que o direito à propriedade é um dos pilares do sistema capitalista, como se pode qualificar de comunista um movimento que, como o MST, se propõe a expandir esse direito? Qual é o conceito de “terra improdutiva” que justifique as ocupações seguidas de desapropriação para efeitos de Reforma Agrária? Qual é o tamanho real do problema?

A sociedade brasileira enfrenta dois problemas fundamentais no meio rural: a pobreza extrema e a desigualdade social. A raiz dessas questões é a concentração da propriedade da terra, que pode ser traduzida como um por cento dos proprietários controlando quase a metade de todas as terras do país. Devido a esta concentração, existem no Brasil cerca de 4,5 milhões de famílias de trabalhadores sem terra. O trabalho do MST é conscientizar e organizar essas famílias para que elas possam lutar por seus direitos. A terra é um bem da natureza que deveria resolver o problema do povo e não agrava-los. Está na Constituição, Carta Maior do Brasil, que o Estado deve desapropriar todas as grandes propriedades acima de mil hectares que sejam improdutivas, ou seja, grandes parcelas de terra que não cumpram sua função social, que executem ações perdulárias. Também está na Constituição que terras que estejam desrespeitando as leis trabalhistas ou ambientais devem ser igualmente desapropriadas.

Portanto, nosso Movimento é, acima de tudo, um movimento republicano, à medida que nossos objetivos são garantir que todos os brasileiros que vivem no meio rural tenham seus direitos assegurados.

O governo atual tem cumprido as promessas feitas quanto ao andamento da reforma agrária? Quantas famílias foram assentadas no governo Lula? São números parecidos com o dos governos anteriores? Quanto se gastou nesses assentamentos e em assistência técnica? Esta é reivindicada ou fornecida pelo Estado?

A lei brasileira estabelece que o Governo tem que fazer um Plano Nacional de Reforma Agrária para estabelecer metas, recursos, etc. Pressionamos o Governo Lula para elaborar esse Plano, que levou cerca de um ano para ser aprontado. Nesse período, pudemos ver que existe uma disputa dentro do próprio Governo. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) pleiteava o assentamento de um milhão de famílias. A área econômica, por sua vez, queria assentar apenas 80 mil famílias nos quatro anos de governo. O Presidente Lula ficou dividido e acabou batendo o martelo para assentar 430 mil famílias em 4 anos. O acordo foi aceito pelos movimentos sociais e demais estudiosos e ativistas que ajudaram a elaborar o projeto. O problema é que o tempo está passando e ainda quase nada: apenas 117 mil famílias assentadas em quase três anos diante de uma meta de 430 mil.

Para fazer o Governo cumprir o Plano, fizemos a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, em maio de 2005. Neste período o presidente e sua equipe assinaram sete compromissos conosco. Resumidamente: assentar 430 mil (a meta estabelecida em 2003), priorizar a solução para as 140 mil famílias que estão acampadas em rodovias pelo país, baixar portaria mudando os índices de produtividade de terra cuja última atualização foi em 1975, reformar o Incra por meio da contratação de novos servidores para acelerar a Reforma Agrária e, por fim, garantir cestas básicas mensais para todas as famílias acampadas.

Pouco ou nada disso foi feito. Por isso, voltamos a nos mobilizar no final de setembro. Infelizmente, a imprensa procurou esconder as mobilizações.

O último relatório da Comissão Pastoral da Terra mostra que a violência no campo continua elevava no atual governo. Recentemente o Coronel Pantoja, responsável pelo massacre de Eldorado dos Carajás, foi solto e deve permanecer em liberdade até a última instância (o que pode significar anos). A impunidade continua?

Existe no Brasil uma violência social estrutural no meio rural brasileiro, fruto da pobreza e da desigualdade. Falar em violência social significa falar em falta de trabalho e comida, pobreza, analfabetismo – quer violência maior do que 60% dos adultos do meio rural nordestino não conhecerem as letras?

E existe também a violência física, que são as prisões, torturas e assassinatos, praticados pela prepotência e pelo poder econômico dos fazendeiros, que já ceifaram mais de 1.700 vidas de lideranças campesinas nos últimos 20 anos. O Estado fica no meio: impotente e conivente. Dos 1700 casos de assassinato, apenas 80 casos foram julgados, dos quais 20 foram condenados e menos do que dez estão presos.

O coronel Pantoja, embora tenha sido condenado pelo tribunal popular a 228 anos de cadeia pelo massacre de 21 companheiros em Carajás, passou três anos em uma suite do quartel da Polícia Militar de Belém e recentemente ouvimos a notícia de que o STJ o libertou. Agora, da suíte de sua casa, o coronel faz revelações assustadoras, como a que fez ao Liberal: “não tenho nenhum remorso”.

Qual é a opinião do MST sobre o referendo do desarmamento? Os fazendeiros e seus jagunços serão desarmados?

O MST e todos os demais movimentos que compõem a Via Campesina Brasil estão engajados na campanha pelo Sim à proibição do comercio de armas e munição no Brasil. Esse referendo é muito importante porque vai acostumar o povo brasileiro a exercitar a democracia direta, sem intermediários. Oxalá chegaremos ao dia em que haverá plebiscitos mensais para que o próprio povo possa decidir sobre questões fundamentais da sociedade. O referendo é importante também porque vai impedir as mortes por motivos fúteis e acidentes, que já somam 80% das 40 mil mortes anuais. Portanto, a campanha pelo Sim é uma campanha civilizatória, que irá impedir que pobre mate pobre por besteiras.

Agora, os problemas da marginalidade social, da violência policial, etc, isso somente será resolvido quando tomarmos outras medidas, que não estão sendo debatidas no neste referendo.
Evidentemente que a direita, os fascistas, a UDR e os fazendeiros, querem cultivar na sociedade brasileira uma ideologia da violência, das armas, do direito a tirar a vida dos outros, em defesa da propriedade. São idiotas e ignorantes, capitalistas de meia tigela com uma filosofia de que os bens materiais estão acima do direito à vida. Por isso, se julgam no direito de matar alguém para defender seus bois, suas cercas… Coitados!

Qual será a linha de ação do MST daqui até o final do atual governo?

Nós vamos seguir a linha de sempre: nosso Movimento é autônomo em relação ao Estado, Governos, Igrejas, religiosos, times de futebol, escolas de samba. Somos um movimento social para organizar os pobres do campo a lutarem por seus direitos. Esta é nossa missão e ela pouco se altera com troca ou não de governo, com vitória de um ou outro no campeonato nacional de futebol. É claro que tínhamos uma expectativa de que o Governo Lula mudasse o país, fizesse Reforma Agrária. A rigor as metas de assentamento do Governo Lula estão no mesmo nível do governo anterior. A prioridade ainda é, infelizmente, o apoio ao agronegócio dos fazendeiros aliados às multinacionais, que querem manter nosso país dentro do velho modelo colonial: agro-exportador. Mas um dia eles aprendem: o povo mudará o modelo econômico e agrícola do país.