América Latina financia países ricos

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América Latina financia países ricos

05/11/2004

Por: Jorge Pereira Filho
Fonte: Jornal Brasil de Fato

O Brasil e toda a América Latina não exportam apenas soja, frango e outros produtos agrícolas, de baixo valor agregado, para as nações ricas. Uma simples análise das relações econômicas internacionais mostra que os países latino-americanos também se caracterizam pela exportação de um recurso mais raro e valioso: os cobiçados dólares. Um estudo do Instituto de Estudos Socio-econômicos (Inesc) aponta que o Brasil e a América Latina enviam mais dinheiro para o exterior do que recebem. A conclusão é de que, pagando a sua dívida externa, esses países subdesenvolvidos acabam bancando o desenvolvimento dos países do Primeiro Mundo.

Entre 1999 e 2003, a América Latina enviou para o exterior 74,1 bilhões de dólares a mais do que recebeu. No ano passado, a região repassou para o exterior mais do que o dobro dos investimentos externos. Enquanto entraram 25,8 bilhões de dólares, saíram 54,8 bilhões de dólares na forma de pagamentos de juros da dívida e lucros das transnacionais. Esses recursos foram economizados pelos governos, que deixaram de investir em áreas sociais e no desenvolvimento dos próprios países. “Os países ricos são os maiores receptores desses recursos. De certa forma, estamos financiando o seu desenvolvimento”, analisa Márcio Pontual, assessor para Política Internacional do Inesc.

Dólares verde-amarelos

O Brasil não foge à regra. Pelo contrário, contribui significativamente para o déficit de dólares da região. O país responde por 10% da sangria de recursos da América Latina. Nos quatro anos pesquisados pelo Inesc, o Brasil enviou ao exterior 7,4 bilhões de dólares, valor próximo do que entrou (10,8 bilhões de dólares). A perspectiva de reversão desse quadro não é otimista. Ano a ano, o país gasta mais com seus compromissos externos, enquanto a dívida externa não diminui. Em 1995, o país enviou 11 bilhões de dólares ao exterior. Em 2003, foram 18 bilhões de dólares – 5,7 bilhões de dólares só em juros. “O pagamento de juros e empréstimos está crescendo depois que o governo Lula decidiu aumentar o superávit primário”, avalia Pontual.

Em 2003, por livre e espontânea vontade, o governo brasileiro elevou o superávit primário (corte nos gastos públicos do governo, com impacto sobre as áreas sociais) de 4,25% para 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2004, novamente por decisão própria, o governo subiu o superávit para 4,5%. No acordo com o Brasil, o FMI exige uma economia de 3,6%, quase um ponto percentual abaixo da economia feita pelo país.

Radicalismo neoliberal

O conservadorismo radical do governo mereceu restrições até do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), instituição responsável pela imposição de receituários baseados na liberalização da economia e na economia dos cortes públicos para os países endividados. “O representante do FMI para a América Latina achou inaceitável o aumento do superávit. Para isentar o Fundo, caso algo dê errado com a economia brasileira, ele disse que a instituição apoiava a elevação do superávit”, conta Pontual.

O assessor do Inesc ressalta que fatores políticos e econômicos influenciaram a decisão do Brasil. “O governo quis ganhar confiança no mercado financeiro e atrair mais recursos. É um círculo vicioso porque cai o investimento social, a infra-estrutura do país fi ca deteriorada e se reduz a renda da população”, afirma Pontual, ressaltando que os investidores externos não fazem investimento direto no país justamente em função do empobrecimento da população.

A conta do FMI

O estudo conclui também que as instituições financeiras multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, têm uma responsabilidade nada desprezível na produção da sangria. “A dependência dos países da região se encaixa na coerência buscada entre as instituições. Um exemplo disso é que o FMI só empresta dinheiro em troca de uma maior abertura das economias, preconizada pelo Banco Mundial”, analisa Pontual, ressaltando que essas instituições têm, em comum, a participação majoritária dos Estados Unidos como acionistas.

Para Pontual, uma das saídas para alterar essa situação é rever o relacionamento com essas instituições. “O Brasil, por exemplo, poderia cancelar o acordo com o Fundo, não há necessidade de continuar com ele”, propõe. Outra alternativa seria a implantação de uma taxa sobre as transações financeiras externas com o objetivo de arrecadar recursos para programas sociais. “A adoção desse tipo de imposto pelos países da América Latina pode se constituir em um meio de aumentar significativamente as arrecadações dos governos, gerando recursos para complementar o desenvolvimento local”, conclui o estudo do Inesc.