Balanço é pessimista, diz João Paulo Rodrigues

O Movimento Sem Terra está pessimista em relação à Reforma Agrária do governo Lula. É o que afirmou o integrante da coordenação nacional do movimento, João Paulo Rodrigues. Segundo Rodrigues, o atual governo reproduz os conceitos do período de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que reduzia um processo efetivo de Reforma Agrária ao cumprimento de metas.

O Movimento Sem Terra está pessimista em relação à Reforma Agrária do governo Lula. É o que afirmou o integrante da coordenação nacional do movimento, João Paulo Rodrigues.

Segundo Rodrigues, o atual governo reproduz os conceitos do período de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que reduzia um processo efetivo de Reforma Agrária ao cumprimento de metas.

“É uma surpresa que o governo Lula siga esse conceito. Durante o governo FHC, o PT e seus parlamentares eram muito críticos à política do cumprimento de metas a todo custo e com o processo de regularização fundiária e reposição de lotes vagos em assentamentos existentes”, afirmou.

Rodrigues afirma que nos últimos três anos não houve desconcentração de terra e que pequenos agricultores têm abandonado o campo por causa da falta de uma política de crédito adequada e pela carência de assistência técnica.

“O governo Lula não avançou no processo de desapropriação de latifúndios improdutivos e em outras áreas, como terras griladas (exemplo na região sul) e em terras do Exército, que poderiam ser destinadas às famílias Sem Terra”, explica.

Além disso, ele comenta o compromisso de atualizar os índices de produtividade, que determinam se uma terra é produtiva ou não. A mudança depende apenas de uma portaria assinada pelo Ministério da Agricultura e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.

“A prioridade continua no campo do agronegócio, não na política da obtenção de terras de latifúndios improdutivos para o assentamento de todas as famílias acampadas no Brasil”, afirma.

Leia a seguir a entrevista.

Qual balanço o MST faz dos números apresentados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Reforma Agrária, em geral, do governo Lula?

Temos uma avaliação bastante pessimista, tendo em vista que o governo adota os mesmos mecanismos e conceitos do governo Fernando Henrique Cardoso, organizado pelo então ministro Raul Jungmann (hoje deputado federal do PPS-PE). Prevalece o número de famílias que tiveram acesso à terra, sem levar em consideração o processo de desapropriação, obtenção da terra e, até mesmo, a qualidade dos assentamentos. É uma surpresa que o governo Lula siga esse conceito. Durante o governo FHC, o PT e seus parlamentares eram muito críticos à política do cumprimento de metas a todo custo e com o processo de regularização fundiária e reposição de lotes vagos em assentamentos existentes. Essa é uma política complementar. Porém, não é Reforma Agrária.

Para o MST, a política implementada nos últimos três anos desconcentrou a terra?

Pelo contrário. Temos visto que parte significativa das famílias que conseguiram lote nos últimos dez anos acabou indo para as cidades. Isso é fruto de não existir uma política de crédito adequada para a produção, inclusive na área das agroindústrias, e também pela carência de um modelo de assistência técnica voltado para as condições dos assentamentos. O governo Lula não avançou no processo de desapropriação de latifúndios improdutivos e em outras áreas, como terras griladas (como na região sul) e em terras do Exército que poderiam ser destinadas às famílias Sem Terra. A Reforma Agrária continua concentrada na área da Amazônia Legal. Isso infelizmente não vem sendo instrumento para diminuir a concentração de terra.

Um dos pontos que o movimento acordou com o governo depois da Marcha Nacional é a atualização dos índices de produtividade. Até agora, nada mudou. Por que é preciso modificar esses índices?

Infelizmente, o governo Lula poderia ter avançado na área da transformação de um Estado burguês, tornada um aparato mínimo na era FHC, em um instrumento que pudesse acompanhar as demandas dos pobres do campo. Para isso, teria que tomar algumas medidas no âmbito do Poder Executivo, como o fortalecimento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), desburocratização do crédito agrícola nos bancos, para facilitar o acesso das famílias. Com isso, melhoraria o processo de desapropriação. Uma das medidas que poderia ter tomado também é a revogação da medida provisória que determina que terra ocupada não pode ser vistoriada e desapropriada em dois anos – isso é um entulho autoritário do governo anterior. Outra iniciativa importante seria a atualização dos índices de produtividade, que está prevista em lei. A Constituição prevê que o Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário têm que atualizar os índices a cada 10 anos. A última vez que isso aconteceu foi no inicio da década de 70. Na medida em que o governo não teve coragem de enfrentar o latifúndio para tomar uma medida dessa natureza, dificilmente a Reforma Agrária pode avançar. A prioridade continua no campo do agronegócio, não na política da obtenção de terras de latifúndios improdutivos para o assentamento de todas as famílias acampadas no Brasil

Independente dos números, hoje o centro do embate político no campo se encontra no âmbito do modelo agrícola, baseado em pequenas propriedades ou no agronegócio monocultor e exportador?

O Brasil tem um potencial muito grande na produção grãos e pode avançar na produção agrícola como um todo. Por outro lado, o país é muito carente do ponto de vista da questão do emprego. Historicamente, as políticas no campo são voltadas, de um lado, para o incentivo da produção para exportação e, por outro, à preservação do grande latifúndio improdutivo. Tínhamos o entendimento de que no governo Lula seria o momento de valorizar a pequena agricultura. Infelizmente, essa prioridade não veio. Ficou voltada simplesmente para a área econômica, com a exportação e avanço da monocultura.

Outros pontos importantes foram acordados e nada foi cumprido. Como o movimento analisa a lentidão do governo?

O governo Lula tem sido melhor do que todo o período do governo FHC. Só que não dá para fazer uma simples comparação porque a administração anterior era contra a Reforma Agrária. Do ponto de vista dos acordos firmados, o governo ficou aquém das expectativas dos trabalhadores e trabalhadoras, em especial os acampados por mais de três anos. Nas últimas negociações, um dos principais pontos era o assentamento das mais de 100 mil famílias acampadas em 680 acampamentos no país. Estamos contabilizando os números, mas informações já sistematizadas pela nossa base indicam que só foram assentadas em 2005 aproximadamente 13 mil famílias. O governo tinha o compromisso de avançar no assentamento das famílias acampadas. Outro tema é a política de crédito. Quando o governo Lula assumiu fizemos um grande debate na perspectiva de criar um novo crédito. O MST sempre questionou certas políticas nessa área, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que não foi criado para atender as nossas demandas. O governo não levou adiante o debate. Os trabalhadores estão inadimplentes e não houve crédito novo nem para custeio nem para investimento em agroindústrias, iniciativas necessárias para melhorar a vida da população do campo e aumentar a geração de emprego no campo e na cidade.