Por que discutir TV Digital?

Por Jonas Valente

Com uma série de informações surgindo na mídia e com alguns setores da sociedade pedindo transparência e adiamento das decisões, movimentos e organizações sociais que não estão ligados diretamente a essa questão se perguntam: o que eu tenho a ver com a TV Digital? Por que é importante participar dessa decisão? Como eu poderia interferir neste processo?

A primeira pergunta nos leva a uma importante reflexão sobre o papel dos meios de comunicação, em especial da TV, na construção dos valores e das transformações pelas quais o Brasil precisa passar. A forma como as emissoras “vendem” a imagem de movimentos sociais, o discurso de criminalização das lutas do povo e a construção sistemática da hegemonia neoliberal já são alguns motivos para tentarmos intervir nessa questão. Assim como a terra, a TV é um campo com grandes e poucos latifundiários concentrando 100% do espaço público da voz da sociedade. Para se ter uma idéia, no Brasil a TV chega a cerca de 96% dos lares, mas apenas duas redes (Globo e SBT) concentram 75% da audiência e das verbas de publicidade. Apesar da TV tentar construir na sociedade a idéia que os meios são das empresas, esse espaço explorado é público, pois o sinal de tv é transmitido pelo ar, que é um bem do povo. Logo, não há dúvida que a mudança nesse cenário de monopólio e a necessidade absoluta de mais diversidade, pluralidade e democracia nos meios de comunicação interferem diretamente no dia a dia dos lutadores e lutadoras do povo.

A depender da tecnologia adotada, a TV Digital pode permitir a entrada de novas programações, dando mais espaço à produção independente, alternativa, comunitária e contra-hegemônica. Mas para que isso aconteça é preciso que os setores da sociedade estejam organizados e preparados para ocupar esse espaço. Uma outra questão importante é a possibilidade da TV oferecer serviços de interatividade aos cidadãos. Imaginem serviços públicos pela Internet chegando facilmente à casa das pessoas. Num cenário de convergência maior, podemos pensar em pequenos grupos produzindo conteúdo de suas comunidades e enviando diretamente às emissoras. É uma mudança radical perante o comportamento da sociedade frente televisão. Há ainda que citar o importante investimento em pesquisa e tecnologia brasileira feito para o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Caso as pesquisas internas fossem aproveitadas, deixaríamos de pagar royalties (taxas de propriedade) pelas patentes de tecnologia internacional e diminuiríamos a nossa já exagerada dependência externa.

O que ocorre atualmente é que o ministro das Comunicações, o Sr. Hélio Costa, um dos mais dedicados ex-funcionários que a Rede Globo já teve, passou por cima de todas essas questões e, a qualquer custo, quer defender a importação da tecnologia japonesa. Passou por cima dos demais ministros, do Congresso Nacional, do Conselho Consultivo escalado para dar pareceres sobre o processo, da sociedade e do interesse público por motivos que só a barganha política pode explicar. Pelos corredores do planalto, a informação é de que a Globo e o Hélio Costa negociaram a escolha do padrão japonês em troca de boas imagens do presidente na telinha. Negociaram, em bom português, a reeleição do Lula. E o interesse do povo foi para as cucuias.

Neste momento de jogos sujos, negociações escusas de gabinete e desinformação geral, também causada por uma mídia desorientada e descomprometida (salvo raras exceções), a sociedade precisa tomar a frente dessa luta e mostrar ao presidente Lula que uma decisão tão fundamental tomada sob o foco do pragmatismo eleitoral pode causar um enorme estrago. Estrago para aqueles que brigam no dia-a-dia por suas causas legítimas e jamais conseguem ver isso refletido nos noticiários e programas televisivos. Estrago para pesquisadores que lutam por nossa independência tecnológica e pela soberania do país. Estrago para milhões de brasileiros que cotidianamente são obrigados a consumir uma cultura, uma estética e valores que não condizem com a dura realidade do país. Estrago para a difícil construção de um sonho coletivo, de superação do capitalismo em um mundo em exploração e opressão.

Para garantir que haja um debate democrático, foi lançado um abaixo-assinado, que pode ser assinado individualmente em www.petitiononline.com/stvd2006 ou por organizações por meio do endereço [email protected]. O momento é de sensibilização e mobilização geral para que não deixemos uma oportunidade como essa escapar de nossas mãos. Para que possamos fazer a Reforma Agrária da TV, ocuparmos um espaço que sabemos que será produtivo se estiver em nossas mãos e seguir na caminhada por um mundo mais solidário, justo e plural.