Sem Terra denunciam crimes no Mato Grosso

Por Gibran Lachowski, Comitê de Luta pelo Transporte Público

Há uma década, Mato Grosso passou a ser conhecido na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia como grande produtor de soja in natura. No Brasil, ele já era um renomado celeiro de grãos cercado por denúncias de crime organizado. Em dezembro de 2003, João Arcanjo Ribeiro, que recebera cinco anos antes do título de Comendador do Estão pela Assembléia Legislativa, foi condenado a 124 anos de prisão com outros seis cúmplices. Eles foram acusados de crime contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e utilização de factorings como bancos oficiais.

Hoje os crimes cometidos no estado são outros: trabalho escravo, envenenamento de águas, solos, animais e pessoas, despejo de trabalhadores e violenta concentração de terras. O atual governador do estado, Blairo Maggi, é o principal representante dessas características, próprias ao agronegócio.

Em 2005, 1.411 homens e mulheres em Mato Grosso foram libertados de fazendas destinadas à plantação de cana-de-açúcar e de áreas desmatadas para a instauração do agronegócio, segundo a Delegacia Regional do Trabalho de Mato Grosso. É o maior índice no Brasil.

No mesmo ano, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Mato Grosso consumiu 19% do agrotóxico usado no país, liderando este ranking também. Em 2004, foram aplicados 47 milhões de quilos de veneno nas áreas rurais do estado, a maior parte deles nas 8 mil
propriedades de 49,9 milhões de hectares. Elas representam 69% das terras privadas mato-grossenses, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Chico Mendes vive

Entre os dias 11 e 13 de abril deste ano, cerca de 280 famílias dos acampamentos Chico Mendes I e Chico Mendes II, na fazenda Espinheiro/Itambaracá, situados no município de Acorizal (a 747 km da capital), foram vítimas de um despejo ilegal e violento. Elas estavam acampadas há três anos, esperando decisão final para serem assentadas.

A justiça estadual de Mato Grosso desrespeitou o artigo 109 da Constituição Federal ao conceder liminar ao proprietário da área de 2,5 mil hectares, Celso Biancardini, para expulsar os Sem Terra. A fazenda já havia sido declarada de interesse social em 11 de fevereiro do ano passado. A desapropriação está em fase de ajuizamento, com dinheiro empenhado e aguarda apenas decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A Sem Terra Helena de Souza conta que os acampados do Chico Mendes I foram surpreendidos na terça (11/04) por volta das 5h30, com a presença de policiais militares fortemente armados, auxiliados por veículos, caminhões e máquinas de pá carregadeira. O tenente Patrocínio, chefe da operação, determinou o prazo de uma hora para que todas as pessoas desocupassem a área. “Ele fazia muita pressão psicológica, dizia que ia meter a borracha, que ia jogar o trator nos barracos e derrubar tudo se nós não colocássemos nossas coisas nos caminhões. E a PM chegou mesmo a passar por cima de
vários barracos, destruindo tudo o que havia. Graças a deus que Sem Terra acorda cedo para trabalhar, se não teria havido morte”, disse Souza. Parte dos pertences dos acampados foi transportada para frente da sede do Incra (MT), em Cuiabá.

Enquanto a PM tentava cumprir a ordem ilegal de despejo, os acampados articularam uma rede de solidariedade com movimentos sociais para promover uma intervenção política. O esforço resultou na suspensão do despejo na quarta-feira à noite (12/04) e no agendamento de uma audiência na Assembléia Legislativa de Mato Grosso.

Porém, os Sem Terra continuavam sofrem pressões da PM no acampamento. Aerika Aparecida da Silva, integrante do MST, conta que policiais e uma equipe de segurança contratada pelo proprietário furtaram toda a plantação de mandioca, milho, abóbora e quiabo, além de saquearem o depósito de alimentos, levando fardos de arroz, feijão e sacos de leite. “Eles deixaram as famílias sem comer por dois dias. E durante essas noites, os PMs falaram alto, tocaram sinos e andaram de moto entre os barracos”,
lembra Silva.

O resultado da audiência na Assembléia foi negativo e a PM voltou agir nos acampamentos, retirando todas as famílias do local. Eles deixaram os pertences restantes a 500 metros do Incra de Cuiabá, em uma das avenidas mais movimentadas da cidade. “No trajeto sumiram 28 fardos de feijão, 15 caixas de óleo, 15 fardos de leite, toda a merenda escolar enviada pela prefeitura de Acorizal, oito metros de lona, ferramentas, dois botijões de gás, um som de carro e uma caixa de som amplificado”, enumera o acampado Carlos Ximenes.

Nas margens da avenida, os Sem Terra montaram um novo acampamento, chamado de Blairo Maggi. As atividades do Movimento continuaram no intuito de denunciar as ações combinadas entre governo estadual, justiça estadual e mesa diretora da Assembléia Legislativa.

Em 17 de abril, o MST lembrou do massacre de Eldorado dos Carajás e cobrou punição aos culpados em protesto em frente à Justiça Federal, em Cuiabá. Em 25 de abril, organizou um ato público na capital contra a violência do agronegócio, no qual estiveram presentes representantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores), do Sindicato dos Bancários do MT, do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre outras
entidades. No dia seguinte, também em Cuiabá, o MST participou de uma
manifestação em defesa da educação pública.

Em 27 de abril, o Movimento foi às ruas em solidariedade à luta pela redução das tarifas, instalação e
ampliação do passe livre e estatização do transporte coletivo em Cuiabá e Várzea Grande. E em primeiro de maio, o MST engrossou as fileiras na Romaria das/os Trabalhadoras/es na capital. O MST tem hoje 3,5 mil famílias no Mato Grosso.