Evo, a Petrobrás e os “interesses do Brasil”

Por Glauco Bruce Rodrigues *

Causou revolta, incompreensão, crítica e indignação a nacionalização do gás boliviano pelo presidente Evo Morales. Nos jornais brasileiros, na televisão e nas conversas do dia-a-dia podemos observar a insatisfação do brasileiro com primeiro presidente indígena da Bolívia. Todos se perguntam como ficam os investimentos da Petrobrás; clamam por indenização; chamam a atenção para a injustiça de desapropriar os bens de uma empresa que investiu aproximadamente 1bilhão de dólares no país vizinho; todos querem ver garantidos o cumprimento dos contratos que foram assinados.

Esse discurso dominante no Brasil pode ser claramente qualificado como nacionalista-conservador-pseudo-colonialista. É nacionalista por afirmar de forma veemente o direito de uma empresa brasileiro de capital misto (51% do Estado e 49% de capital privado); conservador porque está afinado com o discurso de manutenção do statu quo completamente impermeável a qualquer análise crítica e desprovida de um mínimo de humanidade para com o povo de outra nação; pseudo-colonialista porque o Brasil não é bem uma nação imperialista ou colonialista, mas está adotando a mesma postura de qualquer nação/empresa que se vale da sua força econômica para impor seus interesses a uma nação mais fraca.

O debate fica restrito à questões econômicas e não coloca a principal questão: a soberania e autonomia de uma nação que elegeu um presidente com o apoio de movimentos sociais que exigiam o controle dos recursos naturais para colocar em prática uma nova forma de gestão desses recursos de forma que a riqueza gerada por eles fosse distribuída de forma democrática e não concentrada nas mãos de uma pequena parcela da população. O movimento que levou Evo Morales à presidência da Bolívia exige uma nova gestão dos recursos naturais, uma gestão não privada, mas pública e democrática. Esse movimento que lutou contra a privatização da água em Cochabamba, que derrubou dois presidentes que não nacionalizaram os hidrocarbonetos. Parece que os analistas brasileiros não levam nada disso em conta. Ficam agarrados aos números, aos investimentos, às quantidades de gás que o Brasil consome. A democratização dos recursos não é pautada. Aliás, todo o movimento é simplesmente reduzido a um “populismo de esquerda retrógrado e atrasado” (uma clara alusão à cultura indígena, que cisma em não aderir à “modernidade” do consumo…).

A Petrobrás investiu mais de 1 bilhão de dólares, é responsável por 20% do PIB boliviano, representa quase a metade dos impostos arrecadados na Bolívia, responde por 100% do refino de petróleo e 57% do gás boliviano. Esses números são espantosos. A Petrobrás é praticamente dona da Bolívia. E ainda assim, emprega apenas 851 bolivianos e 25 brasileiros. Creio que é justo um país retomar o controle de suas riquezas. Ainda mais sustentado por um movimento evidentemente popular, com uma ampla possibilidade para uma gestão democrática dos recursos e de uma distribuição mais justa da riqueza. Evo nos disse, em um programa de entrevista no Brasil, que a maioria dos contratos assinados com empresas estrangeiras garantia 18% para o Estado boliviano e 82% para as empresas. Isso não é uma parceria. É descalabro. É assalto. É vergonhoso. Não é possível, eticamente, politicamente e humanamente possível justificar e defender esse estado de coisas. É a perpetuação de um modelo de 500 anos, é o moderno-colonial hiper atualizado. Nada foi feito para distribuir a riqueza, nada foi feito para compartilhar o poder de forma democrática, os indígenas continuam alijados das riquezas e da política, as mesmas oligarquias e grupos brancos ou mestiços continuam encasteladas no Estado, disputando as carniças da nação dilapidada.

A tentativa de se fazer uma outra gestão dos recursos naturais é reduzida a populismo. Evo Moreles é um populista manipulado por Chávez, o populista mor da América Latina. No Brasil, os analistas não conseguem ver outras possibilidades que não seja o alinhamento à globalização capitalista. Não conseguem imaginar uma globalização emancipatória, uma vida política democrática. O que conta são os contratos, os bilhões e milhões de dólares. Quem quer mudar o mundo, ou de forma bem mais modesta, tentar torna-lo um lugar menos desigual ou é populista ou é radical. A revolta e a insurgência são cada vez mais necessárias.

* Glauco Bruce Rodrigues é mestre em Geografia pela UFRJ