Fazendeiros do Pará criticam ações da CPT e insinuam ameaças

Por Beatriz Camargo
Fonte Repórter Brasil

Uma carta exigindo mudanças no comportamento da Comissão Pastoral da Terra de Xinguara (PA), citando nominalmente o frei dominicano Henri des Roziers e insinuando ameaças à instituição, foi encaminhada dia 26 de abril pelo Sindicato Rural de Xinguara, que representa os proprietários de terra do município. O documento afirma que “o radicalismo da CPT de Xinguara está conduzindo os produtores rurais a uma situação delicada, de revolta e insatisfação, e caso não haja mudanças naquele comportamento, poderá advir confrontos de dimensões desagradáveis”. Até o fechamento desta matéria, a reportagem não havia conseguido localizar os dirigentes do Sindicato Rural de Xinguara.

“Essa frase nos preocupa, a nós da Pastoral e também ao bispo, porque é claramente uma ameaça”, avalia o frei Henri des Roziers, da CPT Xinguara e que trabalha desde 1979 na região. Ele lembra que o histórico do Pará é de impunidade às ações criminosas dos proprietários de terra e que mesmo o judiciário muitas vezes favorece os latifundiários. Apesar de considerar a afirmação perigosa, a CPT de Xinguara não tomou novas providências em relação à segurança do frei ou da equipe.

Além do Sindicato Rural, assinam a carta as presidências do Rotary e Lions Clube, a Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Xinguara (Aciapa) e a Loja Maçônica da cidade. O documento foi endereçado ao bispo da Diocese de Conceição do Araguaia, Dominique You, que, em resposta, divulgou domingo (7) duas notas: ao conjunto da Diocese e à Paróquia de Xinguara. Em ambas, o bispo defendeu e valorizou a postura do frei Henri e da CPT de Xinguara frente aos conflitos rurais da região.

No dia 29 de abril, dias após a entrega da carta ao bispo, houve uma reunião dos fazendeiros em Xinguara, numa clara demostração de força. Entre os presentes, estavam o presidente do Sindicato Rural do município de Redenção – que tem representação no Sindicato estadual da categoria – e o deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), um dos fundadores da UDR (União Democrática Ruralista). No Congresso Nacional, o deputado tem sido um dos principais opositores à aprovação de leis que contribuiriam para a erradicação do trabalho escravo. A região Sudeste do Pará, onde está localizado o município, é um dos principais focos desse crime no país.

Segmentos da sociedade civil de Xinguara se uniram em torno de uma resposta à carta enviada pelos fazendeiros, explicitando apoio à CPT. A réplica foi assinada pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais do município, o Conselho Tutelar, o Sindicato dos Professores, comunidades eclesiásticas de base, parlamentares e religiosos.

O documento enviado pelo Sindicato Rural coloca a Pastoral da Terra como coordenadora do MST no município e a acusa de realizar ocupações de propriedades rurais da região, provocando “grande tensão social”. Segundo a carta, a situação está “desestimulando a produção e causando medo nas pessoas de boa índole”.

Outro trecho se refere ao acampamento dos sem-terra João Canuto, localizado num terreno público a cerca de 30 quilômetros da cidade, à beira da rodovia PA-150. Ele apresenta graves acusações contra os acampados, afirmando que “à sombra da CPT, lá permanecem praticando jogatinas, prostituição, consumindo drogas e bebidas alcoólicas”. Por fim, os signatários pedem que dom Dominique interceda para moderar a atuação do frei Henri e da Pastoral.

O histórico de ameaças contra a vida de trabalhadores rurais na região é antigo. Remonta a época da colonização, quando a ditadura militar privilegiou os latifúndios em detrimento às pequenas propriedades de posseiros. A política tem se mantido nos dias de hoje, com a ação do poder executivo, Justiça e polícia no sentido de expulsar famílias humildes de grandes fazendas montadas em terras da União.

Para os agentes da CPT, a carta foi enviada ao bispo porque ele é novo no cargo da Diocese de Conceição do Araguaia, e havia uma esperança de que ele não estaria de acordo com a atuação do órgão na cidade. Não houve ameaça anterior do mesmo grupo, mas, segundo Ana Souza Pinto, também da CPT de Xinguara, existe uma insatisfação pública dos fazendeiros. “Eles estão tentando barrar o MST de todas as formas.” Ela ressalta que, embora a CPT apóie os movimentos de luta pela terra, o MST é um órgão independente e não existe ingerência em suas ações. “A Pastoral da Terra tem uma história de intervenção juntos aos povos do campo”, lembra.

Ainda segundo Ana Souza, o clima de tensão existe desde que o MST instalou novo acampamento na PA-150. O acampamento anterior, na fazenda Rio Vermelho (propriedade da família Quagliato, que havia se apossado ilegalmente desse terreno) foi despejado em março pela polícia. A ação, que contava com cerca de 200 policiais, foi acompanhada pelos advogados da CPT de Xinguara, entre eles o frei Henri des Roziers. “Sabemos que não é todo o conjunto das signatárias da carta que concordam com ela. Mas a direção do Sindicato é linha dura, e eles vão fazer de tudo para perseguir o MST”, avalia o frei.