Ato pede federalização das investigações de mortes em SP

Fonte: Carta Maior

O jurista e ex-vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, defendeu nesta segunda-feira (29) que a Polícia Federal assuma as investigações sobre a responsabilidade de agentes policiais nas mortes de civis entre os dias 12 e 20 deste mês, baseado nos indícios de que houve abuso de poder e execuções sumárias. Segundo Bicudo, que participou de um ato organizado por juristas, partidos políticos e movimentos sociais na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, as polícias Civil e Militar teriam dificuldades de investigar membros da própria corporação.

“O que vimos em São Paulo nessas semanas foi uma violência sem parâmetros, em que a atuação policial não poderia ter se igualado à ação dos criminosos, eliminando pessoas indiscriminadamente. O Estado de Direito não pode aceitar a violência vinda do Poder Público. O governo Lula deveria chamar a si a federalização dos crimes contra os direitos humanos, e a investigação pela Polícia Federal é uma questão de ética”, afirmou Bicudo.

A federalização dos crimes contra os direitos humanos, aprovada na última reforma do Judiciário, é um instrumento importante que, até agora, não foi aplicado por inoperância do Superior Tribunal de Justiça, cobrou o jurista. O assunto será levado nesta terça (30) ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) por membros da Comissão Independente (formada por entidades de direitos humanos, órgãos públicos e a Ordem dos Advogados do Brasil para acompanhar as investigações sobre as mortes de civis) para estudar o pedido de federalização.

Também durante o ato, o coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, relatou a visita da Comissão Independente à Guarulhos na tarde de segunda para averiguar as condições de 57 mortes ocorridas no município. Segundo ele, estes casos – como outros sem autoria identificada – não fazem parte da lista de vítimas apresentada pela Secretaria de Segurança Pública, o que poderia elevar a 300 o número de mortos no período de conflito entre as polícias e o crime organizado.

Os casos de Guarulhos são especialmente graves, constatou a Comissão – que conversou com familiares das vítimas e representantes da OAB local -, principalmente porque mais da metade dos laudos aponta indícios de execução, como tiros na nuca e na cabeça. Isto fortalece a tese de que houve a ação de grupos de extermínio, avalia Ariel.

MANDADO COLETIVO
Outro tema que gerou protestos entre os participantes do ato foi a utilização, por parte da Justiça, de mandados coletivos de busca e apreensão. Este instrumento, ilegal segundo a Constituição – que prevê a obrigatoriedade da individualização e da fundamentação de mandados – tem permitido à polícia ocupar bairros e favelas e entrar em qualquer casa para dar busca e prender suspeitos.

“Na Zona Leste, a polícia está parando os jovens e fotografando aqueles que tem tatuagem no corpo em plena via pública. Estão prendendo quem tem passagem pela polícia, inclusive aqueles que tem em mãos a documentação de soltura ou condicional, e isso é ilegal”, afirmou Valdenia Paulino, coordenadora do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba, que pediu apoio à uma moção à Justiça contra os mandados coletivos.

Reunindo cerca de 200 pessoas, o ato também permitiu que várias lideranças sociais e políticas expressassem seu repúdio às condições sociais, econômicas e políticas que levaram à explosão da violência em São Paulo. Um dos organizadores do evento, Plínio de Arruda Sampaio considerou o ato “pequeno, mas representativo”.

“Mais importante que tudo foi realizá-lo, pois a sociedade não pode assistir passiva a escalada da barbárie. A cada ato brutal, é fundamental que a voz da civilização se levante e diga ‘não’!”, afirmou.

O ato, que contou com a presença de personalidades como o senador Eduardo Suplicy, o bispo auxiliar de São Paulo, Dom Pedro Luiz, deputados federais e estaduais do PSOL e do PT e lideranças de movimentos sociais como o MST, CUT e Conlutas, convocou ainda outro protesto contra a violação dos direitos humanos para esta quarta-feira, as 14 horas na Praça da Sé.

INDENIZAÇÕES
No último dia 25, o deputado Estadual Sebastião Arcanjo (PT) protocolou na Assembléia Legislativa um Projeto de Lei que autoriza o Estado a indenizar os familiares de vítimas fatais decorrentes dos ataques ocorridos entre o dia 12 e 23 deste mês.

Segundo nota do deputado, o projeto prevê o “pagamento de indenização para integrantes da Polícia Civil, Polícia Militar e Agente Penitenciários do Estado de São Paulo, ainda que não se encontrassem em serviço, mas cujo homicídio tenha ocorrido, comprovadamente, em virtude da ação de criminosos entre os dias 12 e 23 de maio; e de pessoas da população civil, cujo homicídio tenha ocorrido em virtude da ação de criminosos e também de agentes do Estado em reação aos atos criminosos, no mesmo período. O projeto fixa, ainda, o valor das indenizações que não podem ser inferiores a R$ 100 mil e superiores a R$500mil”.