Brasil não tem política para agroecologia

Por Rodrigo Ponce e Solange Engelmann A agroecologia é um projeto que se desenvolve com rapidez entre os trabalhadores e as trabalhadoras rurais. “A agroecologia é uma forma de trabalhar a agricultura que se baseia em dois campos do conhecimento: o tradicional e o científico”, afirma o técnico agropecuário José Maria Tardin. Formado em 1979, ele tomou contato com a agroecologia em 1993. Desde 2005, Tardin integra o setor de produção, cooperação e meio-ambiente do MST e faz parte da equipe pedagógica da Escola Latino-Americana de Agroecologia, onde dá aulas.

Por Rodrigo Ponce e Solange Engelmann

A agroecologia é um projeto que se desenvolve com rapidez entre os trabalhadores e as trabalhadoras rurais. “A agroecologia é uma forma de trabalhar a agricultura que se baseia em dois campos do conhecimento: o tradicional e o científico”, afirma o técnico agropecuário José Maria Tardin. Formado em 1979, ele tomou contato com a agroecologia em 1993. Desde 2005, Tardin integra o setor de produção, cooperação e meio-ambiente do MST e faz parte da equipe pedagógica da Escola Latino-Americana de Agroecologia, onde dá aulas.

Na entrevista abaixo, Tardin explica a implementação da agroecologia e critica a prioridade do Estado para o agronegócio.”O Estado tem sido extremamente alheio, não tem política estabelecida para incrementar a agroecologia”, disse.

Quais as diferenças entre a agricultura convencional e a agroecologia?

José Maria Tardin: O que predominou no Brasil a partir de 1950 foi o uso de máquinas, tratores e vários tipos de implementos. Essas máquinas se tornaram cada vez mais sofisticadas pelas grandes indústrias e hoje estão presentes principalmente no agronegócio, que utiliza vastas extensões de terra. Junto vêm os insumos químicos, principalmente os adubos. Estes insumos têm uma série de efeitos negativos na natureza, contaminando a terra e do lençol freático. Além disso, as sementes utilizadas são manipuladas geneticamente por pesquisadores e controladas como mercadoria por empresas.

Esta é a agricultura “convencional”, praticada em todo o Brasil e na maior parte do mundo. É uma agricultura controlada por grandes empresas transnacionais, que detém o controle da produção de tecnologia, das máquinas, dos agrotóxicos, fertilizantes químicos, das sementes e dos produtos veterinários.

Além dos transgênicos, a informática aplicada utiliza máquinas muito modernas, que dispensam a presença do trabalho humano. Esta agricultura de ponta é chamada de “agricultura de precisão”.

Pode-se dizer que o projeto da agroecologia é um resgate de uma cultura anterior a este modo de produção?

Tardin: A agroecologia é uma forma de trabalhar a agricultura que se baseia em dois campos do conhecimento: o primeiro é o conhecimento tradicional. Aquilo que os agricultores, as comunidades e os povos indígenas desenvolveram ao longo de séculos. Esta é uma das bases que orienta a agroecologia. Outro campo é a ciências biológica, os conhecimentos desenvolvidos nos últimos anos na Biologia, Botânica e Química, que ajudam a compreender um pouco melhor os processos ecológicos da vida, da natureza. Através desta compreensão, nós organizamos tecnologias e procedimentos técnicos para manejar a terra, a água, as sementes e os animais de forma mais próxima a natural. A agroecologia junta este conhecimento de base tradicional, científica e desenvolve um novo padrão de agricultura.

Na agroecologia também se incorporam as Ciências Sociais e Políticas, trabalhando a formação da consciência dos camponeses e camponesas.

Por isso o MST optou pela agroecologia?

Tardin: Exatamente. A agroecologia, ao juntar Ciências Sociais e Políticas, naturais, biológicas e o conhecimento tradicional, permite aos movimentos sociais ter um referencial mais completo. Uma forma de fazer agricultura que agregue também a mudança cultural do ser humano.

E o projeto de agricultura orgânica voltado para um nicho do mercado que tende a ter um poder aquisitivo maior. É outro projeto?

Tardin: É outro projeto. A origem da agricultura orgânica foi desenvolvida por um cientista da Inglaterra, que estudou formas de produção na Índia, vivendo com comunidades tradicionais e aprendeu com aquelas populações algumas técnicas de compostagem, que são milenares. Ele sistematizou aquele modo de produção e lançou as bases técnicas da agricultura orgânica. Mas quando a agricultura orgânica chega no mundo ocidental, vem como uma possibilidade de orientar agricultores descontentes com a agricultura convencional e de substituir os insumos tóxicos por insumos orgânicos, baseados, sobretudo, em esterco. Isso permitiu aos agricultores mudarem a base de insumos, mas não significa que eles trabalhem também com a dimensão da mudança do ser humano.

Este produto hoje chega ao consumidor com um preço maior, como se ele tivesse um modo de produção mais caro. É realmente mais caro produzir orgânico?

Tardin: Aí precisa tomar um pouco de cuidado. Por exemplo, na Europa para um agricultor fazer agricultura orgânica, realmente sai mais caro porque o trabalho no campo é supervalorizado. Aqui na América Latina o camponês é um excluído, o trabalho dele não é valorizado. Por isso, a produção orgânica no Brasil tem um custo menor. Os insumos são mais baratos e o trabalho também, apesar de requerer mais equipamentos de tração animal ou ferramentas manuais.

Uma família que tenha uma pequena propriedade ou uma cooperativa e queira mudar seu modo de produção, como deve fazer?

Tardin: Esta fase nós chamamos de transição para agroecologia. A família vai adotar algumas técnicas básicas, que são especialmente as práticas de recuperação e conservação do solo. Algumas delas mecânicas, mas o insumo mais importante é a semente de adubação verde, de inverno e de verão. A partir daí ela começa a experimentar outras formas de manejo do solo. No sistema convencional, o agricultor lavra e gradeia. Isto destrói a vida do solo e favorece os processos de erosão. Na medida em que ele vai adotando a adubação verde, vê partes da sua área em que pode adotar o cultivo mínimo, que é um sistema em que o solo é revolvido apenas onde há plantio, o resto fica adubação verde. E em outras áreas que tem menos plantas espontâneas (que na agricultura convencional eles chamam de erva-daninha) se adota o plantio direto. Não revolve o solo em nenhum espaço. A semente é colocada sob um solo que tem uma camada de plantas que serve como adubo e como protetora da superfície do solo. Protege da chuva, do excesso de sol, da enxurrada. A água infiltra mais, conserva a umidade por muito mais tempo, não sofre com a estiagem. Essa técnica a família adota paulatinamente.

Além disso, na agricultura convencional milho e feijão, por exemplo, são plantados em áreas diferentes. Na agricultura ecológica as plantas se misturam na mesma área. Isso aumenta a eficiência da fotossíntese, pois mais plantas absorvem a energia solar. E como essas plantas tem sistemas radiculares diferentes, ocupam espaços diferentes do solo e aproveitam mais a água e os nutrientes. Por outro lado, eliminam uma série de substâncias que vão alimentar milhares de microorganismos que tornam o solo mais fértil. Então uma prática vai puxando outros processos ecológicos e tornando aquele ambiente mais equilibrado e mais fértil.

Nesse processo os produtores e produtoras abdicam o uso de agrotóxicos imediatamente?

Tardin: Isto também é opcional. Algumas famílias preferem eliminar imediatamente o uso de qualquer agrotóxico ou fertilizante químico, sintético na produção. A maioria tem feito isto. Mas muitas famílias vão adotando em parcelas do lote, da propriedade. Começa pela horta, vai para o pomar, para a pastagem, faz aos poucos.

A compra de sementes também muda? No caso, o que é o banco de sementes?

Tardin: As sementes, junto com a terra, são as duas bases necessárias para a família camponesa se realizar como tal. Se ela tem terra e não tem semente, ela não se concretiza como camponesa. Então o trabalho de agroecologia tem uma linha de estímulo e orientação para as famílias voltarem a produzir suas próprias sementes. Este é um trabalho sistemático. Assim como parar de usar agrotóxico.

É preciso aprender de novo a usar adubações verdes, saber utilizar o esterco transformado em caldas de biofertilizantes, para nutrir as plantas, e outras caldas que ajudam a proteger as plantas. As famílias também têm que resgatar o conhecimento de produção de sementes, assim como as raças crioulas dos animais. Os animais geneticamente manipulados pelas empresas também não se adequam ao sistema agroecológico, pois são muito sensíveis e exigem um padrão de nutrição extremamente refinado.

O que muda na criação industrial da pecuária e na criação agroecológica?

Tardin: No sistema industrial os animais também passam por uma interferência na constituição genética. Os geneticistas induzem esses animais a terem um tempo extremamente curto de vida, o maior desempenho na produção de carne e de leite. Isso gera animais extremamente suscetíveis a doenças. Para terem maior produtividade em pouco tempo, precisam também receber alimentos muito concentrados. São alimentos com alto teor de vitaminas, proteínas e sais minerais. A junção da genética refinada com esses alimentos concentrados, e a criação em espaços insuficientes para o seu modo de vida (áreas muito pequenas), favorecem a entrada dos patógenos, dos fungos, das bactérias e dos vírus. Então eles têm que receber diariamente cargas de antibióticos e hormônios. Esses produtos acabam na carne, no leite, no ovo e aparecem no ser humano depois.

Nos sistemas agroecológicos esses animais se aproximam de seu modo natural de vida. Por exemplo, as aves: as galinhas no sistema industrial ficam em gaiolas ou em viveiros muito pequenos. Na agroecologia você tem o viveiro para elas se protegerem, mas elas passam o dia todo em piquetes a pleno sol. Nesses piquetes elas vão se alimentar, encontrar alguns insetos, receber frutos e grãos inteiros, pouco triturados para o sistema de moela. Esse animal vai ter uma vida mais harmônica com seu modo natural de existência. As fêmeas vivem junto com os machos, o cruzamento é natural. Da mesma forma os porcos, o gado vai ser criado assim.

E quais as experiências concretas do Movimento na área de agroecologia?

Tardin: Vamos começar pelo fundamental, que é justamente aquilo que o Estado não faz: as escolas de agroecologia. O MST no Paraná tem três escolas de formação de técnicos de nível médio em agroecologia. Como integrante da Via Campesina participa de uma quarta escola, que é a Escola Latinoamericana de Agroecologia, com formação de nível universitário. Além disso, o Movimento é anfitrião de um curso de especialização em agroecologia, de nível superior. Esse curso é realizado no Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia, na cidade de Cantagalo (PR), e tem parceria com cinco universidades federais.

A formação de profissionais, técnicos em agroecologia, é um grande diferencial que o MST traz para esta mudança da agricultura no Brasil. Há também o primeiro curso de Agronomia com ênfase em Agroecologia do país, que funciona na Universidade Estadual do Mato Grosso. Essa é uma das grandes contribuições que o Movimento Sem Terra traz para este esforço de mudar a base de produção no campo.

No Paraná, o setor de produção, cooperação e meio-ambiente, vem executando um programa de formação dos seus técnicos e dos Sem Terra. É um programa que acontece com etapas periódicas durante o ano, em que esses técnicos e camponeses vão se apropriando de conhecimento em agroecologia para orientar o trabalho em todo o estado.

Outra coisa é a própria adoção da agroecologia pelas famílias. Nos últimos cinco anos, o MST do PR vem alcançando êxito em estimular, motivar e orientar um número crescente de famílias que estão fazendo a transição da sua produção convencional para a agroecológica nas diferentes áreas técnicas. Seja na área da produção das sementes, na produção do leite orgânico, nas iniciativas de agroflorestas e na produção de hortaliças, além dos grãos: milho, feijão, trigo, centeio, etc.

Uma última questão é a agroindústria, que começa a trabalhar com produção agroecológica. No Paraná, a agroindústria que está mais consolidada é a do coletivo da Coopavi, que é uma cooperativa de famílias que tem um processo de produção de derivados de leite e produção de açúcar mascavo, melado e cachaça ecológica. Essa é a experiência mais avançada, mas outras de escala menor já começam a funcionar pelo estado, principalmente conservas e hortaliças.

O comércio dessa produção foca primeiro a subsistência da família. Mas dentro da cidade como é que se comercializa isto?

Tardin: A linha adotada até agora tem sido a seguinte: o princípio é o abastecimento da família acampada ou assentada. O segundo nível é o mercado local. O terceiro nível é o mercado regional. E na medida que esta capacidade de produção vai se ampliando, se distribui de forma mais ampla. Quem faz uma distribuição maior da produção ecológica é a Coopavi, que até exporta seus produtos. A cooperativa de erva-mate em Santa Maria (RS) tem uma produção de chá ecológico que é exportada. As famílias que hoje trabalham em escala menor estão fazendo feiras. Por iniciativa delas, começam a crescer as feiras municipais.

Além do MST, você tem idéia de algumas ações feitas no Paraná?

Tardin: O Paraná no cenário brasileiro é um estado vanguardista na produção orgânica e agroecológica. Mas tudo isso é iniciativa de organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais. O Estado tem sido extremamente alheio, não tem política estabelecida para incrementar a agroecologia. Entendendo como política todo um conjunto de iniciativas, que envolveria a formação de técnicos, a formação de camponeses, camponesas, da juventude; a pesquisa em agroecologia, o desenvolvimento de máquinas e equipamentos adequados para esse tipo de produção; sistemas agroindustriais de pequeno porte e mudanças na legislação, porque um dos grandes empecilhos é que a legislação brasileira é totalmente voltada para favorecer os grandes complexos agroindustriais. Quando se monta uma pequena unidade agroindustrial, ela tem que cumprir a legislação que uma grande multinacional é obrigada a cumprir. Há uma deslealdade em relação à produção em pequena escala.

Nós também não temos uma política de crédito para a família que quer fazer essa transição. A família, quando opta pela agroecologia, assume todos os riscos. O Estado não dá nenhuma retaguarda. Enquanto para o agronegócio, que destrói a natureza e contamina os alimentos, o Estado tem um conjunto de políticas. E ainda assim, quando os grandes empresários entram em falência numa safra, o Estado prorroga suas dívidas em condições favoráveis.

Tomando como princípio que o primeiro objetivo da agroecologia é o sustento da família, é possível dizer então que o projeto para a agricultura do estado brasileiro é um projeto para exportação? Um projeto que não pensa a agricultura de subsistência?

Tardin: A produção agrícola brasileira permanece a mesma desde quando os portugueses chegaram aqui. O Brasil é um território de exportação de produtos para a Europa. Claro que o hoje o Brasil exporta para a Europa, para a China, para o Japão, para vários lugares. Mas o projeto é o mesmo: um país com grande território, produzindo matéria-prima básica na agricultura para abastecer os países ricos, desenvolvidos.