Indígenas do Espírito Santo exigem demarcação de suas terras

Na quinta-feira (01/05) passada, cerca de 250 pessoas participaram no seminário “Os direitos dos povos indígenas e o avanço do agronegócio: questões e desafios”, realizado na Universidade Federal do Espírito Santo. O evento tinha como objetivo informar a opinião pública sobre os direitos indígenas e exigir do Ministério da Justiça mais rapidez na emissão da portaria de demarcação das terras Tupinikim e Guarani. Além disso, o seminário também discutiu os impactos do modelo de desenvolvimento baseado na monocultura, que vem se ampliando no estado e no Brasil principalmente através da Aracruz Celulose. O encontro foi promovido pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, Movimento Nacional de Direitos Humanos e Rede Alerta Contra o Deserto Verde.

Antes da chegada da Aracruz, havia 40 aldeias indígenas no estado. Hoje são apenas sete. “Além da devastação da mata, houve a devastação dos povos”, afirma o cacique Paulo Tupinikim. Conforme estudos já realizados pela Funai (Fundação Nacional do Índio), o território indígena no estado é de 18.070 ha, sendo que 11.009 ha ainda se encontram em posse da Aracruz. Atualmente as contestações da empresa estão sendo analisadas pela Funai e, em seguida, serão encaminhadas ao Ministério da Justiça, que irá emitir ou não a portaria demarcatória das terras.

Segundo Luiz Villares, procurador geral da Funai, a demarcação das terras indígenas é justa e deve ser realizada ainda neste governo. “A posição da Funai é pela demarcação das terras e esse é um compromisso do atual governo”, afirma Villares.

A empresa também foi convidada a participar do seminário, mas não compareceu sob a alegação, enviada por carta, de que o processo jurídico a impede de “se expor a um debate público em um momento de instabilidade no relacionamento e insegurança jurídica com as comunidades indígenas, como tem demonstrado nas recentes invasões e outros atos de hostilidade”.

Em meados de 2005, os povos Tupinikim e Guarani iniciaram o processo de auto-demarcação de suas terras e, no início deste ano, foram violentamente expulsos da aldeia que reconstruíram pela Polícia Militar e pelos seguranças particulares da empresa.

Além dos direitos indígenas, o agronegócio esteve na pauta de discussão e foi considerado o principal inimigo da Reforma Agrária. Segundo o integrante do MST Ademilson Pereira de Souza, a celulose, a usina de cana, a pecuária extensiva e as empresas exploradoras do mármore e granito representam o agronegócio no estado.

Para Dom Tomás Balduíno, conselheiro da Comissão Pastoral da Terra, o seminário aprofundou determinados temas, como a base legal dos direitos dos povos, e também mostrou como esses povos que lutam há muito tempo estão conscientes de que são sujeitos de sua história. “O seminário foi uma surpresa pelo interesse de muita gente. Isso mostra que o pessoal está procurando se unir e reunir, se articular. Isso é bom sinal”, disse Dom Tomás.

Ao final do seminário, os diversos movimentos sociais presentes, como MST, Movimento dos Pequenos Agricultores e Movimento de Mulheres Camponesas, bem como estudantes, pastorais da igreja, parlamentares e organizações civis assinaram a Carta de Vitória, que será enviada ao presidente da Funai e ao ministro da Justiça, como uma reivindicação para acelerar o processo de demarcação das terras indígenas. Leia abaixo o documento:

Carta de Vitória

Nós, reunidos no Seminário “Os Direitos dos Povos Indígenas e o Avanço do Agronegócio: Questões e Desafios”, realizado no dia 1º de junho de 2006, na cidade de Vitória/ES, aproveitamos esse momento histórico para expressar os pontos fundamentais a respeito dos conflitos fundiários envolvendo índios Tupinikim e Guarani e a multinacional Aracruz Celulose, no município de Aracruz,ES; e as exigências de uma solução por parte do Governo Federal, instância da qual se espera, com grande expectativa, uma decisão definitiva sobre os referidos conflitos.

É importante lembrar que a Aracruz Celulose ocupa hoje no ES, cerca de 150 mil ha, dos quais 18.070 ha pertencem ao patrimônio da União e destinados à posse exclusiva e permanente dos povos indígenas Tupinikim e Guarani, como determina a Constituição Federal. Embora essas terras tenham sido identificadas pela FUNAI, a conivência do governo brasileiro, desde 1967, tem sido fundamental para garantir a continuidade dessa invasão. Apenas 7.061 ha foram recuperados pelos índios, após muita luta e sofrimento. Os 11.009 ha restantes encontram-se ainda ocupados pela empresa, aguardando a Portaria de delimitação pelo atual Ministro da Justiça, desde maio/2005.

Sendo assim, a solução do conflito está nas mãos do Ministro da Justiça. Todos os estudos técnicos para dirimir a questão dos direitos às terras em disputa já foram produzidos e seus resultados são por demais conhecidos. Por isso, não há lugar para dúvidas, pelo menos do ponto de vista técnico. Na última década foram produzidos quatro estudos de identificação da área indígena, pelos grupos de especialistas da FUNAI, cujos resultados constataram e reafirmaram que as terras em disputa são tradicionalmente ocupadas pelos povos Tupinikim e Guarani. Mais, os estudos técnicos da FUNAI concluíram que aquelas terras são fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos indígenas.

Assim, a questão passou agora para o complicado campo das definições políticas, no qual cabe ao governo decidir por uma posição, pressionado por todos os interesses em jogo. Sabemos que durante todas essas décadas de apropriação de privilégios junto ao governo federal, desde o período da ditadura militar, a Aracruz Celulose tornou-se um grupo econômico muito poderoso, com capacidade de influir nas mais variadas esferas de decisão da República.

Por isso mesmo, advertindo sobre as arbitrariedades que se acumularam e as perversas conseqüências sobre as comunidades indígenas do ES, exigimos que desta vez os direitos humanos sejam privilegiados sobre os interesses meramente econômicos da multinacional do eucalipto.

É necessário alertar que esta associação entre os interesses privados e a esfera pública, tão usual em nossa história republicana, é o maior pode de pressão que a empresa possui. Indo de encontro à própria legislação brasileira, a Aracruz Celulose tenta desqualificar a via administrativa e força que a resolução se dê através da Justiça. Devemos nos opor a esta medida e denunciá-la como um desrespeito à legislação brasileira, pois o decreto 1775/96 dispõe sobre os procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas. Além disso, fica claro que a intenção da empresa é apostar na lentidão da justiça e das brechas jurídicas que têm fornecido o poder econômico e financeiro. Enquanto isso, poderá continuar lucrando com o plantio de eucalipto nas terras indígenas.

Por fim, posicionados na trincheira dos direitos indígenas, exigimos que o governo brasileiro pague a dívida social com os Tupinikim e Guarani; e que obedeça à Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT, da qual é signatário. Que a FUNAI emita um parecer bem fundamentado sobre as contestações a serem oferecidas pela ARCEL e num prazo de até 30 dias. Que o Ministério da Justiça assine a portaria de delimitação no prazo estabelecido de 30 dias, sem solicitar novos estudos; e que assim se faça cumprir com sabedoria e coragem a Constituição Brasileira.