Haydée Santamaría

“Temos a certeza de que sua passagem pela vida foi de uma pessoa excepcional. Ela era um vulcão e uma flor. Tinha a beleza de um ciclone ou de um amanhecer nas montanhas e a insólita capacidade de combater amando e de amar com a terrível intensidade do combate”. Essas palavras, escritas durante o velório de Haydée Santamaría, revelam alguns traços de uma mulher forte, que marcou a história de Cuba e da América Latina.

Haydée esteve presente desde o início da luta que levaria Cuba à revolução. Em 1953, foi uma das poucas mulheres que participaram do episódio conhecido como assalto ao Quartel de Moncada. O ato foi um marco no combate ao governo do então ditador Fulgêncio Batista. Muitos militantes foram presos, incluindo Fidel Castro e Haydée. Entre os que morreram torturados no local estava seu irmão, Abel Santamaría, e seu namorado, Boris Coloma.

Em seu livro A história me absolverá, Fidel relembra os momentos na prisão: “com um olho humano ensangüentado nas mãos, um sargento e vários homens entraram na cela onde estavam as companheiras Melba Hernández e Haydée Santamaría. Dirigindo-se a última disseram: ‘este olho é de seu irmão. Se você não nos disser o que ele se negou a falar, arrancaremos o outro’. Ela, que amava seu valente irmão mais que tudo, contestou os oficiais, cheia de dignidade: ‘se vocês lhe arrancaram um olho e ele não disse nada, não sou eu que vou dizer”.

“Fui presa, torturada e fiquei viúva. Me senti mais forte e mais livre do que aqueles que iam me julgar no tribunal”, disse depois de ser condenada a sete meses de detenção.

Ao sair da prisão, em 1954, ela passou a organizar de fato a luta revolucionária. Entrou na clandestinidade e adotou o pseudônimo Maria. Em Santiago de Cuba, se tornou uma das integrantes da direção nacional do Movimento 26 de Julho, que articulou a guerrilha cubana nas montanhas, conhecida como Sierra Maestra, e na cidade. Em 4 de setembro de 1958 ela formou, junto com Melba e Célia Sánchez, o pelotão Mariana Grajales do Exército Rebelde, exclusivamente de mulheres.

Arte para a América Latina

Em 1° de janeiro de 1959, com o triunfo da revolução cubana, Haydée assumiu a coordenação da recém-fundada Casa das Américas. A instituição tornou-se um ponto de referência cultural da América Latina, promovendo a arte e a literatura. O princípio que regia sua ação era a integração dos povos. “Com a mesma paixão, fogo e ternura que pôs em tudo, ela fez a Casa das Américas. Foi sua cabeça e coração. Quando já não podia ser a guerrilheira – que de certa forma nunca deixou de ser – ela se fez respeitar por todos os escritores e artistas da nossa América. Os mais criativos, imaginativos e fiéis compreenderam e escutaram com devoção aquela camponesa que nunca se sentou nos bancos de universidades e institutos de pesquisa, mas vivia acompanhada de música e pinturas, porque era toda feita de sensibilidade. Essa sensibilidade ela levou à revolução e a milhares de homens e mulheres”, escreveu Roberto Retamar, atual diretor da Casa das Américas.

Em 1965, ela foi uma das fundadoras e membro do comitê central do Partido Comunista Cubano. Em 1967, presidiu a conferência da Organização Latino-americana de Solidariedade (Olas), que tinha como objetivo coordenar a luta insurrecional em toda o continente.

Nesse mesmo ano, Ernesto Che Guevara, um de seus companheiros mais próximos, foi assassinado na Bolívia, quando tentava deflagrar o processo revolucionário no país. A morte do líder guerrilheiro abalou profundamente Haydée. “Que tristeza tão profunda. Eu chorava pelo povo, por Fidel e por você. Depois, no velório, nosso grande povo cubano não sabia quais categorias e títulos Fidel lhe daria. Te colocou ‘artista’. Eu pensava que todas as menções eram poucas, mas Fidel, como sempre, encontrou o verdadeiro significado: tudo o que você criou foi perfeito e você fez uma criação única: criou a si mesmo. Demonstrou como é possível esse novo homem. Todos víamos que esse novo homem era uma realidade, era você”, disse em uma carta dirigida a ele.

Ser comunista

Até 1980, quando faleceu, Haydée continuou cumprindo as missões que a revolução cubana lhe incumbia, como levar apoio ao povo do Vietnã e ao seu líder, Ho Chi Min. Seguiu também na direção da Casa das Américas, ampliando suas publicações e construindo uma das maiores bibliotecas da América. Casou-se com o ex-ministro da Cultura de Cuba, Armando Hart e teve dois filhos.

Em todas as homenagens póstumas que recebeu, ela foi lembrada como o maior girassol que Cuba já teve. A flor, sua preferida, estava por todos os lugares de sua vida: em casa, no escritório, em quadros ou vivas, plantadas em vasos. “O girassol é minha flor preferida porque para ser tão formosa como é, não renuncia a sua inteligência. É fácil de plantar e útil. Dela se tira um bom azeite. Pode ser semeada em campos abertos ao sol e a água. Essa flor gira sua coroa em busca do Sol, formando lindas curvaturas com seu talo. E além de tudo, gosta de conviver com suas companheiras. É definitivamente uma flor revolucionária”, disse certa vez.

Em outra de suas citações mais conhecidas, Haydée resume a vida de uma mulher verdadeiramente revolucionária: “para mim, ser comunista não é militar em um partido. Para mim, ser comunista é ter uma atitude perante a vida”.