Comando da Missão das Nações Unidas atesta fracasso de intervenção no Haiti

Por João Alexandre Peschanski
Fonte Jornal Brasil de Fato

O comando da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) – cuja responsabilidade militar é do governo brasileiro – atesta o fracasso da intervenção no país caribenho, iniciada em junho de 2004. Dos três generais que ocuparam o principal cargo da Missão: o primeiro se desligou de suas funções, considerando-se insatisfeito com o desenrolar da ocupação; o segundo foi encontrado morto, com um tiro na cabeça, em um caso ainda não esclarecido; e o terceiro é alvo de críticas de militares de outro país, o Chile, que quer assumir sua posição.

A avaliação é de Lúcia Skromov, do Comitê Pró-Haiti, entidade brasileira de solidariedade ao povo haitiano. Em virtude desse descomando da Minustah e pelo ataque à soberania do país que a permanência dos 9.500 funcionários (policiais e militares) da Organização das Nações Unidas (ONU), ela defende a retirada imediata da Missão.

O atual comandante das tropas, o general José Elito Carvalho Siqueira, que assumiu o cargo em janeiro, está sob constante pressão, avalia Lúcia. Isto porque o governo chileno, que tinha o comando civil da Minustah, cargo atualmente ocupado pelo guatemalteco Edmond Mulet, quer a posição de Siqueira.

Apoiado pelos Estados Unidos, o Chile prega um endurecimento da ação dos cascos azuis no Haiti. O general, seguindo a linha do governo brasileiro, adota uma posição mais branda, justificando tal decisão pela redução do número de seqüestros no país – que passaram de 150 por semana, em janeiro, na capital Porto Príncipe, para menos de 10, atualmente -, resultado de uma negociação entre o presidente René Préval e o crime organizado.

Morte não esclarecida

Siqueira substituiu o general Urano Teixeira da Matta Bacellar, encontrado morto em seu quarto, em 7 de janeiro. “Estava no Haiti nesse momento. Começou a circular informação de que o Bacellar havia sido morto por atirador de elite. Em imagens na televisão, ele aparece de bruço, com sangue em sua volta”, conta Lúcia. A versão do assassinato foi rejeitada pela ONU e pelo exército brasileiro. Corria a notícia de que morrera, acidentalmente, enquanto limpava sua arma.

Alguns dias depois, o governo brasileiro anuncia que Bacellar se suicidara. “Todos os jornalistas que estavam no Haiti, duvidaram. O povo haitiano não acreditou. A própria esposa do general, que disse que ele não apresentava perfil de alguém disposto a se matar, não acreditou. Mas as fontes oficiais se negaram a dar mais esclarecimentos”, relata.

Lúcia não assume uma posição quanto à morte do general, mas diz que muitos setores – das potências internacionais à burguesia haitiana – estavam descontentes com a atitude de Bacellar, pois este, segundo ela, resistia a ser conivente com o esquema de desvio de verbas da ONU. A ativista do Comitê Pró-Haiti considera o pleito presidencial, realizado em fevereiro, uma das principais manifestações de corrupção. A ONU repassou 100 milhões de dólares para as eleições. Mesmo que o Brasil não participe do esquema de desvio de verbas, comenta Lúcia, é cúmplice. “Está tolerando que façam jogo sujo sob seu nariz”, explica.

Perfil mais à direita

Antes de Bacellar, que assumiu em agosto de 2005, o comando militar da Minustah era responsabilidade do general Augusto Heleno Pereira. Este se demitiu do cargo, afirmando que grandes potências não cumpriam com promessas de ajuda ao Haiti. De fato, menos da metade do 1,3 bilhão de dólares que governos de países ricos disseram que enviariam ao país caribenho, um dos mais pobres do mundo, chegaram.

“O Heleno tinha um discurso mais de esquerda. Era mais pelo social do que os outros estavam. Sempre defendia uma posição mais humanitária do exército”, afirma Lúcia. Isto, segundo ela, gerou descontentes, principalmente nos setores mais conservadores do exército, que esperavam um comando com um perfil mais à direita. “Por isso, Urano foi posto. Ele era um filhote da ditadura, sem posição mais social”, comenta a ativista.