Comitê Estadual contra a Tortura visita acampamento do MST no RS

Integrantes do Comitê Estadual Contra a Tortura estão nos acampamentos do MST em Coqueiros do Sul (RS) colhendo mais depoimentos sobre as denúncias de violação aos direitos humanos, cometidos pela Brigada Militar na ação de desocupação da Fazenda Guerra.

“Os fatos têm início nas dependências da Fazenda Guerra, ocupada pelos integrantes do MST que, ao saberem da ordem de reintegração de posse, realizaram assembléia deliberando pela desocupação da área, decisão essa, divulgada na imprensa. No dia seguinte, iniciam os preparativos para deixar o local, organizando seus pertences, quando foram surpreendidos por uma operação do comando da Brigada Militar local, composta por cavalaria, tropa de choque, algo em torno de vinte viaturas, helicóptero e cães. Os acampados, amedrontados por essa ação, fogem para a área de terra ao lado, que fora cedida por um pequeno agricultor, não conseguindo recolher todos seus poucos pertences”, denuncia a Carta Aberta do Comitê, assinada por Eugênio Couto Terra e Angela Salton Rotunno.

No despejo, que começou em 11 de março, foram queimados alimentos, roupas e material didático utilizado na educação das crianças, além da mobília da escola. Os Sem Terra também sofreram tortura psicológica e foram ofendidos pelos integrantes da polícia. A Brigada Militar dificultou a entrada e saída de pessoas no acampamento e a operação resultou na morte de um bebê de cinco meses no dia 14 de março. Os Sem Terra tentaram levar a criança, que estava problemas de desnutrição e diarréia, para o hospital público do município de Carazinho, mas ela não resistiu. “Houve a demora na liberação de translado para o atendimento médico”, constata o Comitê.

Leia abaixo a íntegra do documento:

CARTA ABERTA

Porto Alegre, junho de 2006.
Prezados(as) Senhores(as)

O Comitê Estadual Contra a Tortura do Rio Grande do Sul – CECT/RS, dentro de sua competência regimental de implementar ações através de esforços conjuntos e articulados entre Instituições Públicas e Organizações da Sociedade Civil, no sentido de identificar, prevenir, controlar, denunciar todas as formas de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante no Estado, visando apurar responsabilidades e sua erradicação, torna público denúncia encaminhada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e pela AJURIS, ambas integrantes do Comitê, referente a episódio ocorrido em março deste ano, envolvendo a Brigada Militar e acampados do Movimento Sem Terra, na localidade de Coqueiros do Sul.

O CECT/RS, em reunião realizada no dia 25 de maio de 2006, convidou as partes envolvidas para se manifestarem, quando se fizeram presente, apenas representantes do MST, sendo que, o comando da Brigada Militar justificou ausência.

Na oportunidade, foi exibido um vídeo, produzido por integrantes do MST, onde estão documentados os fatos ocorridos e ouvido depoimento dos representantes do MST. Passamos a descrição sucintamente, a partir das informações obtidas.

Os fatos têm início nas dependências da Fazenda Guerra, ocupada pelos integrantes do MST que, ao saberem da ordem de reintegração de posse, realizaram assembléia deliberando pela desocupação da área, decisão essa, divulgada na imprensa. No dia seguinte, iniciam os preparativos para deixar o local, organizando seus pertences, quando foram surpreendidos por uma operação do comando da Brigada Militar local, composta por cavalaria, tropa de choque, algo em torno de vinte viaturas, helicóptero e cães. Os acampados, amedrontados por essa ação, fogem para a área de terra ao lado, que fora cedida por um pequeno agricultor, não conseguindo recolher todos seus poucos pertences.

A operação, segundo imagens e depoimento prestado perante ao Comitê, demonstram uma série de procedimentos que se configuram, em uma primeira análise, como abusiva e ilegal, através de tortura psicológica e improbidade administrativa.
Destacamos alguns elementos de todas as informações fornecidas:

– Foram queimados: alimentos, entre estes a merenda escolar, roupas, material didático utilizado na educação das crianças do acampamento;
– Os alimentos, não destruídos, foram consumidos pela Brigada Militar e oferecidos aos cães utilizados na operação;

– A Escola, bem como seus móveis, constituídos de rústicos bancos e mesas de madeira foram queimados;

– Foram utilizados recursos vários, com objetivos de provocar constrangimento, agressões verbais e medo, como por exemplo: ofensas morais, dirigidas aos acampados, inclusive à mulheres e crianças; som de sirenes, de moto-serra, de aparelho de som com musicas provocativas, som emitidos batendo em latas, disparos de arma de fogo e fogos de artifício;

– Houve confinamento, com restrições severas de entrada de alimentos doados o que veio prejudicar de forma generalizada a alimentação dos acampados;

– Todas as pessoas (acampados ou visitantes) foram submetidos a identificação e longas revistas ao entrar ou sair do local;

– Segundo relato, quando da aplicação desse procedimento de revista, uma mulher foi constrangida na presença de crianças (suas filhas);

– Em decorrência dessa forma de proceder, houve a demora na liberação de translado de uma criança para o atendimento médico em município próximo, que encontrava-se gravemente doente, vindo a provocar óbito da mesma;

Diante de tais elementos, o Comitê Estadual Contra Tortura do RS, no âmbito de sua competência, deliberou por acompanhar a investigação do o caso em tela, e pelo presente, encaminha a todas as instâncias governamentais e da sociedade civil, para que se posicionem, adotando medidas cabíveis, no sentido de contribuição para apuração dos fatos e, principalmente, para que possamos prevenir práticas como as descritas.

Atenciosamente,
Eugênio Couto Terra
Representando Entidades da Sociedade Civil

Angela Salton Rotunno
Representando Órgãos Públicos