Sociedade fecha os olhos e polícia faz matança de “suspeitos” na periferia

Em 17 de maio, o escritor paulistano Ferréz fez uma denúncia aos leitores de seu diário na internet: “A Polícia Militar e a Polícia Civil, afetadas com a onda de matança, estão fazendo da nossa periferia um estado pra lá de nazista, já são mais de 100 ‘suspeitos’ assassinados, e nenhum deles é do PCC [Primeiro Comando da Capital]”. O apelo feito pelo artista refere-se à resposta do poder público no combate aos ataques da organização criminosa contra a polícia ocorridos em São Paulo, em maio.

Férrez , que é morador do Capão Redondo (um dos maiores bairros da periferia da capital paulista) passou a receber ameaças da polícia alguns dias depois das denúncias que publicou na internet. O escritor foi obrigado a deixar temporariamente sua comunidade.

Se não fosse o livro Capão Pecado, obra que deu visibilidade ao trabalho de Ferréz como escritor, sua história poderia ter sido diferente. Talvez ele fosse um dos “suspeitos” executados como sendo integrantes do PCC. No entanto, muitos dos que morreram eram entregadores de pizza, motoboys, trabalhadores que não tinham envolvimento com o crime.

Números de mortos não coincidem

O Ministério Público (MP) divulgou uma lista com o nome de 122 civis mortos em confrontos com a polícia paulista após os ataques. Destes, apenas 90 estão identificados na lista disponibilizada pela Secretaria de Segurança. Os outros 32 nomes ainda constam “sem identificação”. Há diferenças entre os dados fornecidos ao MP pelo Instituto Médico Legal, com relação à lista da Secretaria de Segurança. Apenas 65 nomes coincidem. Segundo o MP, é possível que a quantidade de civis mortos em confrontos seja ainda maior que a divulgada inicialmente.

Segundo o historiador da organização não-governamental Justiça Global, Marcelo Freixo, o contexto de “banhos de sangue” e matança de pobres é uma construção social. Para ele, uma sociedade que se sente em pânico, faz crescer sua intolerância e sua indiferença com relação à exclusão social. “Uma parcela significativa da sociedade acredita que é na favela que se localiza crime. Então é nela onde mora o novo inimigo público da sociedade. São aqueles que sobraram de uma sociedade de mercado. Então, a polícia aponta seus tanques e armas para a favela”.

Durante o período da ditadura militar no Brasil, o IML serviu para dar aparência de legalidade a várias execuções de opositores do regime. Os inimigos públicos de ontem eram os presos políticos, aqueles que contestavam a política vigente. Segundo o professor de filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marildo Menegat, os atuais inimigos do Estado e sua polícia são os pobres. “À medida que a sociedade se desestrutura, os pobres que reagem à sua condição de miséria e de deterioração de vida são considerados os novos inimigos do Estado. Como nossa sociedade não consegue dar conta das necessidades da população, ela precisa criar esse novo inimigo interno. Assim, justificam os abusos e a repressão”, afirmou

Segundo o filósofo, se continuarmos admitindo a existência de uma sociedade com tanta exclusão social e criminalização da pobreza, estaremos concordando com a morte de grandes porções da população. “O Brasil só continua como está, ao preço de um imenso genocídio. Tivemos, nos últimos anos, uma quantidade de morte que é assombrosa: mais de 600 mil pessoas.”

Professor de acampamento sofre tentativa de homicídio

No início de junho, Paulo César da Costa, professor da escola do acampamento Pátria Livre, em Correia Pinto, SC, sofreu uma tentativa de homicídio. O lavrador recolhia pinhão e lenha junto com outro companheiro, quando foi abordado por dois homens à cavalo, um deles, proprietário da fazenda.

Segundo Costa, o fazendeiro apontou um revólver e obrigou os Sem Terra a deitarem no chão. Depois de alguns instantes, chegaram outros dois pistoleiros, um deles filho do latifundiário. “Ele perguntou quem éramos. E após receber a resposta: Sem Terra, me atacou com um canivete dizendo ‘então matamos aqui mesmo’. Ainda sob a mira do revólver, ele me imobilizou e cortou minha orelha esquerda. Em seguida tentou me degolar”, lembra o trabalhador rural.

Os dois Sem Terra saíram correndo em meio a tiros e conseguiram escapar. Mesmo sofrendo tentativa de homicídio, eles foram presos, quando procuraram atendimento no hospital. Após a intervenção de advogados e deputados que apóiam a luta pela Reforma Agrária, os Sem Terra foram libertados.

O caso gerou indignação entre os integrantes de organizações de defesa dos direitos humanos. O processo de desapropriação da fazenda foi concluído e a área será destinada para fins de Reforma Agrária

Tribunal de Justiça liberta trabalhadoras rurais

O Tribunal de Justiça do estado de São Paulo concedeu, em 30 de maio, habeas corpus às trabalhadoras rurais Tânia Correia Torquato e Beatriz Adriana Campos Lima, presas desde 6 de março. A ordem foi da Juíza Roberta Cristina Morão Arruda Nascimento, da Comarca de Rancharia, interior paulista.

A acusação era de que as trabalhadoras rurais ocuparam uma área reivindicada pelo ex-governador Paulo Egydio Martins. A 1ª Câmara Criminal do TJ, por unanimidade, aprovou o voto do relator, Desembargador José Ruy Borges Pereira, entendendo que suas prisões eram desnecessárias. O TJ decidiu ainda que poderá, no futuro, examinar alegação de possível ilegalidade do processo.

Sem Terra é assassinado na Paraíba

No final de maio, o trabalhador rural José Borges da Silva, conhecido como Dedinha, foi assassinado em Pitimbú, no litoral da Paraíba. O Sem Terra, que era presidente da cooperativa do assentamento Nova Vida, foi morto a tiros. Segundo a família do Sem Terra, homens armados procuraram Dedinha em casa e chegaram a ameaçar matar sua mulher e os filhos do casal. Há mais de três meses o trabalhador lutava para acabar com roubos e tráfico de motos que ocorriam dentro dos assentamentos no litoral do estado.