Plantar agroecologia no coração do mundo

Caros amigos e amigas do MST,

Compartilhamos abaixo um trecho do texto produzido pelo monge beneditino Marcelo Barros na 5ª Jornada de Agroecologia – Construindo o Projeto Popular e Soberano para Agricultura. O encontro aconteceu em Cascavel (PR) entre os dias 07 e 10 de junho e reuniu mais de cinco mil agricultores de todo o estado para trocar experiências e discutir a produção agroecológica e o desenvolvimento sustentável. A íntegra do documento pode ser lida na página do MST na internet.

“Em quase todas as palestras e discussões que tivemos aqui, vimos que o modelo de economia vigente na sociedade brasileira e na maior parte do mundo atual, o chamado capitalismo neoliberal, ou chamem como quiserem, tem afundado o mundo em uma desigualdade social cada dia mais escandalosa e é responsável por uma destruição ecológica que, se continuar neste caminho, vai destruir o planeta e inviabilizar a vida sobre a Terra. Todos sabemos que, etimologicamente, o termo economia tem o mesmo prefixo de ecologia. No sentido mais profundo, economia significa a norma de administração da casa comum de todos para que todos possam viver dignamente. Hoje, a economia é justamente o contrário disso. Por isso, não existe possibilidade de uma ética ecológica e solidária dentro deste universo de um mercado excludente e de uma economia competitiva.

Enquanto eu escrevo esse texto, no Xingu, centenas de índios estão ocupando a hidrelétrica de Paranatinga II, no Rio Kuluene, no Mato Grosso. Estas obras já tinham sido embargadas pela Justiça Federal, mas assim mesmo continuam. Os índios dizem que esta hidrelétrica prejudicará irremediavelmente o rio Kuluene que corre para dentro do parque do Xingu, onde vivem cinco mil pessoas de 15 etnias. A barragem impedirá a reprodução de muitas espécies de peixes que precisam das corredeiras e da extensão do rio para se reproduzir. Isso afetará de forma terrível a vida e a sobrevivência de muitas comunidades indígenas. Elas sabem que a hidrelétrica está sendo construída para garantir grandes plantações de soja e pastagens, destruindo a floresta e o cerrado. Além disso, vão inundar um território sagrado das etnias do Xingu, onde foi celebrando o primeiro Kuarup, em homenagem aos mortos ilustres, cerimônia cultivada por varias etnias (*). São duas lógicas de vida que estão em jogo. Não é possível manter e alimentar a lógica oficial do lucro e tirar migalhas para uma ética ecológica e solidária. Entretanto, nós sabemos que o capitalismo não vende apenas produtos e mercadorias. Vende sonhos, vende símbolos. Domina o nosso imaginário. Escraviza nossa fantasia. Além de destruirmos sementes transgênicas, temos de impedir os transgênicos da alma, da nossa sensibilidade, do nosso afetivo. E temos, é claro, de ocupar espaço. Recriar uma sensibilidade que torne cada vez mais atraente e gostoso o nosso modo de conceber a vida, de administrar as relações e viver nossa forma de cultivar e nos alimentar.

A Agroecologia já tem 30 anos de experiência. Esta já é a 5ª Jornada Nacional e têm havido muitos encontros regionais, principalmente aqui no sul. E o que é bonito e importante é que vivemos a Agroecologia não apenas como a retomada de uma técnica agrícola antiga e tradicional que os índios e os nossos antepassados que trabalhavam a terra já conheciam. Dos antigos e das comunidades indígenas, aprendemos que a Agroecologia é uma forma de viver, um espírito com o qual sentimos e olhamos as relações e a própria vida. Como nós não nos isolamos em uma ilha distante, temos de conviver com este sistema e até, querendo ou não, participar dele: administrar a terra e a agricultura de acordo com regras que não somos nós que fazemos, ter acesso a programas e verbas que possam favorecer a agricultura familiar e assim por diante. Certamente, é uma boa notícia saber que o café orgânico já é líder de venda no mundo todo.

Mas o desafio é que não queremos que nossos produtos se tornem mais uma grife da moda, um selo, uma coisa de elite. Se estamos convencidos de que a própria vida pede a Agroecologia e esta deve ser a forma comum e normal da produção, temos de lutar para que ela possa se tornar mais acessível a todos.

TORNAR AGROECOLÓGICA A VIDA

Como nós temos um coração, o mundo também tem. O ser humano, homem e mulher, jovens, velhos e crianças, têm a função de ser a alma, o princípio de zelo e amor por todo o universo. Como a sociedade não só não nos preparou para isso, mas ao contrário, nos fez pensar que cada um vivia para si mesmo, é importante um trabalho permanente de conversão e de plantar nova sensibilidade todo dia.

A agroecologia do campo e a agroecologia de toda a vida da gente precisa de estruturas comunitárias mais sólidas. É preciso irmos na contramão da sociedade individualista neoliberal e criarmos novas relações de pertença comunitária que sejam leves, atuais e possam ser referência para o mundo de hoje, principalmente a juventude. Nessas bases comunitárias, recriar uma economia de reciprocidade, de serviço à vida e não à acumulação ou ao consumo. Devemos também recriar estruturas políticas mais humanizadas e horizontais”.

(*) Cf. WASHINGTON NOVAES, O Xingu em pé de guerra, in O Popular, 5ª feira, 08/06/ 2006, p 8. (4) WANGARI MAATHAI, Brincando em volta das folhas de araruta, in Revista Eco 21, Dezembro 2004. (www.eco21.com.br).

Forte abraço,
Secretaria Nacional do MST

Breves

Paraná começa a fiscalizar rotulagem de transgênicos

Reconhecendo que os consumidores têm direito à informação, o governo do Paraná passou a exigir desde 19 de junho que todos os alimentos com pelo menos 1% de transgênicos sejam rotulados para comercialização no estado. Os fornecedores têm agora a obrigação de colocar na embalagem o desenho de um triângulo amarelo com a letra “T” dentro, que identifica os alimentos geneticamente modificados.

Aracruz Celulose destrói mata atlântica em operação no ES

A empresa Aracruz Celulose está sendo acusada de ter desmatado três hectares de floresta nativa em uma área de preservação permanente. A denúncia foi feita pela comunidade da localidade de Jacutinga, no interior do município de Linhares (ES), e constatada por fiscais do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), que embargaram as atividades. O desmatamento começou em 16 de junho, quando a empresa colocou em operação 27 tratores para destruir a mata atlântica em adiantado estágio de regeneração. Mulheres, homens e crianças se colocaram às máquinas e conseguiram evitar a continuidade do processo.

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Erramos

O nome do sr. presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) é Rolf Hackbart, ao contrário do que divulgamos na edição 118 do MST Informa.
Cartas

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