Sucateamento do Incra mostra descaso com Reforma Agrária

Por Dafne Melo
Fonte Agência Brasil de Fato

Ao que tudo indica, 2006 será outro ano de promessas não cumpridas em relação à Reforma Agrária. Isso porque o principal órgão público federal responsável pela sua execução, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), encontra-se em greve desde o dia 4 de abril. A principal pauta dos trabalhadores da autarquia é a reposição salarial da categoria, a contratação de pessoal e a reestruturação do órgão.

Quanto à questão salarial, José Parente, presidente da Confederação Nacional dos Servidores do Incra (Cnasi), explica que, dentre todas as autarquias, o Incra é o que tem menor piso salarial. Em alguns casos, não chegam ao valor de um salário mínimo – funcionários de nível intermediário têm piso de R$ 281,58 -, o que impõe complementos remunerativos, como gratificações, para atender à determinação legal.

Parente também afirma que, em média, a remuneração dos servidores do Incra é 50% menor do que daqueles que ocupam cargos em autarquias como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).

Recomposição da força de trabalho

Segundo Parente, hoje, o Incra trabalha com um universo – entre trabalhadores rurais assentados e acampados – de cerca de 1 milhão de famílias, e conta com cerca de 5,2 mil servidores. “Isso significa cinco vezes o universo de famílias que trabalhávamos na década de 1980, quando tínhamos 9 mil servidores. Hoje, trabalhamos com quase metade, enquanto as demandas foram quintuplicadas”, denuncia.

Os prognósticos para o futuro são ainda mais desanimadores: nos próximos dois anos, devido às aposentadorias, calcula-se que haverá uma redução de 42% da força de trabalho, diz.

Se estivesse cumprindo acordo feito após mobilizações dos servidores em 2004, o governo federal teria de ter feito 4,5 mil novas contratações. Parente afirma que, até agora, foi feito concurso público para apenas 1,3 mil vagas. Porém, apenas cerca de 500 foram preenchidas. “Destes novos funcionários, parte está migrando para outros órgãos em razão das vantagens comparativas que apresentam em relação ao Incra, em termos de remuneração”, explica Parente.

Negociações

A mesa de negociação permanente, instituída em 2005, também não está sendo respeitada pelo governo federal. Prova disto são as repetidas suspensões de reuniões, por parte do governo, e o silêncio em torno das reivindicações da categoria.

O governo tem mostrado também intransigência. A diretoria do Incra ameaçou cortar o ponto dos grevistas e não pagar dias não trabalhados. A situação caminha para um maior impasse quanto mais se aproxima 30 de junho, data limite para o governo fazer aumentos salariais do funcionalismo no segundo semestre, devido ao ano eleitoral.

No dia 21 de junho, na abertura da 3º Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária, servidores do Incra, juntamente com integrantes de movimentos sociais do campo, pediram aos ministros do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, a resolução da questão.

Parente conta que um novo pedido de abertura de negociação foi feito esta semana para o MDA e Ministério do Planejamento (MP). Até agora, foram feitas apenas reuniões com a presidência do Incra, que não mostrou disposição para iniciar as negociações. De acordo com Parente, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, teria sinalizado para uma solução até dia 30.

E a Reforma Agrária?

A proximidade do dia 30 de junho traz outro problema para a execução da Reforma Agrária. Marina dos Santos, integrante da direção nacional do MST, explica que esta é a data limite para que as prefeituras e Incra façam convênios para executar as obras de infra-estrutura nos assentamentos. “Ou seja, as obras não vão acontecer e não se pode construir nada nas áreas já liberadas, o nosso povo vai continuar debaixo da lona”, protesta Marina.

Marina lembra que o atraso na aprovação do Orçamento da União – que saiu apenas em abril – já tinha posto em risco a execução destas obras. Com a greve, a situação virou um “desastre”, classifica a militante. “A atitude do governo em não negociar mostra descaso com a Reforma Agrária. Eles têm consciência de que se não resolver a questão a Reforma não avança este ano”, complementa Marina.

A integrante da direção nacional do MST afirma que os trabalhadores Sem Terra, embora prejudicados e preocupados, são solidários aos servidores do Incra. “Para o avanço da Reforma Agrária, é importante que as reivindicações dos servidores do Incra sejam atendidas”, avalia. Parente concorda que os sem-terra são os mais prejudicados com a greve, mas também avalia que a Reforma Agrária só será possível com um Incra melhor preparado. “Nossas reivindicações convergem para a necessidade de fortalecimento do Incra, para que possa realizar o exercício pleno de suas funções básicas, no caso, a execução da Reforma Agrária e regularização fundiária”, finaliza.