Tânia (Haydée Tamara Bunke Bider)

Por Elsa Blaquier

“… Atualmente tenho que fazer alguns trabalhos especiais …(um trabalho de confiança).” Com estas palavras enviadas aos seus pais em 31 de outubro de 1963, Haydée Tamara Bunke Bider anunciava o delicado e intenso trabalho que iniciara em março de 1963, em Havana, a partir do qual materializara seu maior anseio: dedicar-se por inteiro à causa da Revolução Latino-americana.

Surgia Tânia, a lutadora clandestina que impressionava por sua presença, simples, inteligente e tranqüila; a mulher despojada de qualquer vestígio de egoísmo, capaz de renunciar à família, às amizades, ao amor, à maternidade por materializar dia-a-dia as palavras do poeta revolucionário Nicolai Ostrovski, que ela anotara na primeira página de um diário e o preenchia só com seu exemplo.

“Consagrei toda a minha vida e minha grande força à mais nobre tarefa no mundo, à luta pela libertação da Humanidade”. Escreveu naquele momento a mulher nascida na Argentina em 19 de novembro de 1937. Talvez no instante em que escrevia reviveu sua curta existência. Os belos dias de sua infância e adolescência passados em Saavedra (Argentina), junto com seu irmão Olaf e seus pais, Erich e Nadia, que vieram para a América do Sul fugindo da perseguição do fascismo.

Com certeza lembrou de sua chegada à República Democrática Alemã (RDA) em 1952, quando pôde ver, aos 14 anos, as ruínas deixadas pela Segunda Guerra Mundial; escutou os relatos de dor e morte sofridos por milhões de pessoas que, como seus pais, tiveram como grande delito ser comunistas ou russos-judeus, como a mãe dela.

Também pensou no sacrifício sem condição alguma para criar uma nova sociedade, na alegria com que cumpria suas tarefas na Juventude Livre Alemã e no Partido Socialista Unificado da Alemanha, em sua felicidade ao conhecer o triunfo revolucionário em Cuba, mas, sobretudo, passou por sua mente o penetrante amor que guardou sempre pela América Latina.

Por isso nada a deteve. Deixou seus estudos de filosofia na Alemanha e transformou-se em tradutora do Ballet Nacional de Cuba, chegando à Ilha em 1961. Trabalhou no Instituto Cubano de Amizade com os Povos, no Ministério da Educação, na Federação de Mulheres Cubanas e como guia de turismo; iniciou a carreira de jornalismo na Universidade de Havana, tornou-se miliciana e diante do busto de José Martí selou seu compromisso de servir à definitiva liberdade da América.

Tânia sentia as dificuldades de sua nova responsabilidade. Em março de 1963 tinha começado a materializar o grande anseio de se dedicar completamente a serviço da Revolução desde a difícil trincheira dos que lutam nas fileiras do inimigo.

Um ano depois, ao concluir em Cuba o rigoroso treinamento operativo para o trabalho de inteligência, o próprio Comandante Guevara lhe explicava em detalhes o trabalho a se realizar na Bolívia.

Em nove de abril de 1964 parte para Europa Ocidental com o nome de Haydée Bider González. Durante algum tempo viaja como Marta Iriarte. Em Berlim Ocidental, a poucos metros da família e sem poder aproximar-se, toma a personalidade de Laura Gutiérrez Bauer, a etnóloga especializada em arqueologia e antropologia, que em cinco de novembro de 1964 chega ao Peru, para seguir até La Paz.

Na capital boliviana circula entre personalidades da cultura e da política, ao ponto de sustentar uma estreita relação com Gonzalo López Munhoz, chefe da Direção Nacional de Informações da Presidência da República, amigo pessoal e de absoluta confiança do presidente general René Barrientos. Assim consegue trabalhar para um semanário dirigido às pessoas de mais alta classe da sociedade boliviana, que lhe dá acesso aos próprios escritórios de informação.

Seu trabalho inteligente e sério a leva a penetrar nas casas das famílias poderosas, dando aula de alemão às crianças; passa a colaborar com o Departamento de Folclore do Ministério da Educação. Estabelece relações com funcionários da embaixada argentina.

Seu matrimônio com Mario Martinez, filho de um importante engenheiro em minas, permite legalizar sua radicação definitiva na Bolívia e desprender-se do assédio masculino que tanto a incomodava. Depois de dois anos de trabalho solitário recebeu seu primeiro contato. Em abril de 1966, Tânia viaja a um país latino-americano para estabelecer contato pessoal com um enviado de Cuba.

Começava o trabalho de preparar a recepção e translado dos combatentes até a zona onde se desenvolveria a luta, cuidando, sobretudo, em evitar sua prisão e com isso, a perca de seu eficiente trabalho de anos. Em sua chegada, Che conversa com ela e lhe dá novas instruções.

Em 20 de dezembro, Che anota em sua agenda a designação de Tânia como parte da rede de apoio urbano e em 31de dezembro daquele ano seria entrevistada com o guerrilheiro em Nacahuasú, onde recebe missões para contatar com revolucionários na Argentina.

Em março de 1967 viaja novamente ao acampamento guerrilheiro para levar Regis Debray, Ciro Bustos y Juan Pablo Chang (El Chino). Sua terceira e última viagem a Nacahuasú propicia alcançar sua maior ambição: somar-se à luta guerrilheira, pois a delação dos desertores Vicente Rocabado e Pastor Barrera tornou impossível sua volta para La Paz.

A partir de 27 de março, Tânia será uma das combatentes que dará múltiplas mostras de valentia, eficiente preparação e alto espírito combativo, tornando-se uma inimiga temida pelo exército. Explica Paco (José Castillo Chávez), único sobrevivente da Retaguarda que pertencia Tânia, que ela se opunha a qualquer privilégio por ser mulher.

Na tarde de 31 de agosto de 1967 é a penúltima a penetrar na rápida corrente do rio Grande. Marcha entre Paco e Joaquín (Juan Vitalio Acuña). A água chega quase aos quadris quando se escutam os primeiros disparos.

Levanta de imediato os braços com a intenção de começar a disparar sua metralhadora, mas uma rajada disparada pelo soldado Vargas alcança o pulmão e seu corpo é arrastado pela correnteza.

O Negro (José Restituto Cabrera Flores), médico peruano a quem Che encarregou o cuidado de Tânia, trata de salvá-la. Nada desesperadamente até que lhe alcança e comprova sua morte.

Sete dias depois encontram seu cadáver nas margens do rio Bravo. Contam que umas religiosas pediram seus restos dar-lhe sepultura cristã. Até o cemitério do Valle Grande, seu corpo foi escoltado por soldados. O próprio presidente Barrientos, que a conheceu em recepções oficiais, chegou até ali, e mesmo sem confessar, admirou a mulher de 29 anos que burlou todos os serviços de inteligência.

O povo boliviano a transformou em lenda e Tânia vive ainda hoje ali onde entregou sua valiosa vida pela libertação latino-americana.