A resistência do acampamento Chico Mendes

Por Mariana Martins

O acampamento Chico Mendes, no município de São Lourenço da Mata, em Pernambuco, passou por momentos de tensão nesta semana, mas resistiu e continua de pé. Na quarta-feira (02/08), foi suspenso o despejo dos Sem Terra e hoje pela manhã a última viatura deixou o local, com os 50 policiais que dormiram na área.

O andamento da negociação entre o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o Grupo Votorantin, donos da Usina Tiúma, fez com que o governo federal pedisse para que a administração estadual a suspensão do despejo das 300 famílias do acampamento até o acordo final.

O clima no acampamento foi de bastante tensão desde a manhã de ontem até o momento de dispersão dos policiais. Diversos parlamentares, advogados, representantes de entidades de direitos humanos e o promotor agrário do Ministério Público de Pernambuco estiveram no local para tentar suspender a ordem de despejo e evitar a violência da polícia contra os trabalhadores e as trabalhadoras Sem Terra.

No entanto, as tentativas de suspensão do despejo pelo Poder Judiciário não tiveram êxito. Pela manhã, advogados da Terra de Direitos fizeram novo pedido de suspensão do despejo e anexaram à Ação de Reintegração de Posse o documento do Ouvidor Agrário Nacional, Gercino José da Silva, com a solicitação da suspensão do mandado até o fim das negociações. O pedido foi indeferido pelo juiz da Comarca de São Lourenço da Mata, que mesmo diante a tensão no local insistiu no cumprimento da ordem de despejo com força policial.

Para evitar o conflito, uma comissão de parlamentares, advogados e defensores de direitos humanos acompanhados do promotor agrário foram ao Fórum da cidade tentar convencer o juiz da suspensão do mandado e, mais uma vez, o mesmo se recusou a suspender a liminar. Em declaração à imprensa local, o deputado estadual Roberto Leandro, que acompanhou o processo, afirmou que o juiz não se mostrou aberto às negociações.

Edson Guerra, promotor agrário do Ministério Público Estadual, qualificou de insensível a decisão do juiz. “Ele negou todo interesse social previsto no Direito. Ele foi muito insensível com a causa em si e não levou em consideração a gravidade e a conseqüência deste despejo”.

O tenente-coronel Luís Meira, que comandava a operação, afirmou durante a mesma reunião, e posteriormente à imprensa, que prenderia todas as lideranças do MST que estivessem no local, pois, com certeza, elas iriam causar problemas quando iniciasse a desocupação.

Como a estratégia de tornar mais lenta a ação da polícia, as 300 famílias e 50 crianças se mantiveram dentro dos barracos durante todo o dia.

Depois de muito diálogo, foi confirmada mais uma rodada de negociação entre o Incra e o Grupo Votorantin, que tem dívidas com a Previdência Social, até 15 de agosto. No final da tarde, a ordem de despejo foi suspensa.

A advogada da Terra de Direitos Luciana Pivato declarou que os advogados do caso vão recorrer à decisão do juiz de manter o despejo. “A postura do Poder Judiciário demonstrou mais uma vez que o órgão precisa tratar os conflitos coletivos sob a perspectiva dos Direitos Humanos, atitude já tomada por diversos juízes no Brasil em situações semelhantes”, avaliou a advogada.

Histórico

O Engenho São João ganha na Justiça pela segunda vez a reintegração de posse. A Usina Tiúma, proprietária do engenho, está falida há 17 anos. Apesar de constatada a improdutividade, os processos de desapropriação não foram adiante por alegações de irregularidades na notificação dos
proprietários.

Em julho, 500 famílias do Acampamento Chico Mendes, que moravam no local há um ano e meio, sofreram um violento despejo que destruiu todas as casas e deixou crianças traumatizadas. O despejo comandado pelo tenente-coronel Luís Meira, do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco, ficou conhecido por sua violência.

Tanto a imprensa como parlamentares e representantes de entidades de direitos humanos foram impedidos de ficar no local por uma barreira formada por policiais militares. O presidente da Comissão de Justiça e Cidadania de Pernambuco, deputado estadual Roberto Leandro, chegou a ser agredido por policiais quando tentava chegar ao acampamento para acompanhar os trabalhadores e trabalhadoras rurais.

As famílias do MST ocuparam a área novamente em abril e voltaram a produzir alimentos na área. A produção agrícola do Chico Mendes é uma importante referência para os demais acampamentos da região. No aniversário de um ano da ocupação as famílias fizeram um protesto simbólico contra a morosidade do processo da desapropriação da área para a reforma agrária. Também distribuíram na estrada que dá acesso à cidade mais de uma tonelada de alimentos produzidos pelo acampamento
naquele mês.