Movimentos sociais apostam em articulação no próximo período

Por Verena Glass
Fonte: Agência Carta Maior

O segundo turno destas eleições presidenciais, depois de uma certa reticência por parte da maioria dos movimentos populares em abraçar a defesa da candidatura de Lula e de um governo que, se colocadas na balança as expectativas iniciais e os avanços políticos e estruturais no campo social, deixou a desejar, vem tendo o mérito de reacender o debate político para além da fachada publicitária das campanhas. Principalmente entre os setores de esquerda, para os quais um governo tucano está praticamente descartado, o foco tem sido a reavaliação das relações com o presidente Lula e o PT, as perspectivas de avanços sociais num segundo mandato e as formas de disputar espaço diante da ambigüidade que marcou o primeiro, com sua ortodoxia econômica e seus pactos pela governabilidade.

Esta avaliação acabou sendo o ponto nevrálgico do debate sobre as perspectivas dos movimentos sociais para as eleições 2006, realizado pela Carta Maior na noite de segunda (23), com a participação do presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, da dirigente da Marcha Mundial das Mulheres, Nalu Faria, do coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, da organizadora da Associação Nacional de Educadores (Ande), Lisete Arelaro, do membro da coordenação nacional do MST, João Paulo Rodrigues, e de Manuela D’Ávila, deputada federal eleita pelo PCdoB-RS e ex-diretora da UNE.

Sobre a proficuidade dos debates suscitados pelo susto da não-vitória de Lula no primeiro turno, dois aspectos foram destacados pelos movimentos como fundamentais: um posicionamento cada vez mais à “esquerda” por parte de Lula nos seus discursos públicos, e a clarificação do embate de classes que se colocou entre defensores do tucanato e da reeleição de Lula.

“Seria bom se houvesse uma prorrogação do segundo turno. Porque agora temos o candidato Lula com um discurso cada vez mais de esquerda, falando de política externa, de orçamento social, de Lei de Responsabilidade Social, de privatização. Há quanto tempo não se ouvia falar de lutas de classes? Agora houve um ressurgimento dessas questões. Isso é importante para o crescimento da esquerda”, afirma Ariel de Castro Alves.

Para Lisete Arelaro, a nova disputa é pedagógica e didática para Lula; “talvez assim ele preste mais atenção à gente”. Este também seria o momento de uma repactuação entre o presidente e os movimentos, avalia Lisete, uma vez que as bandeiras do setor têm tremulado nos discursos do candidato. “É como se o segundo turno fosse uma nova eleição, onde Lula estaria tendo que anunciar seus compromissos com os setores populares”, arremata Nalu Faria,

Em termos práticos e como resposta aos críticos que os tem julgado condescendentes demais, os movimentos sociais são pragmáticos ao concluir que o governo Lula e o projeto tucano são distintos na raiz, mesmo que as mudanças estruturais, esperadas no primeiro mandato petista, não ocorreram ou ocorreram de forma limitada: na raiz está a disposição e a abertura do governo petista de ao menos receber as demandas sociais e reconhecer a legitimidade de suas lutas, contra a perspectiva de criminalização por parte de um governo tucano. “Nós não somos dos que acham que quanto pior, melhor. Quanto pior, pior mesmo. Não acredito que conseguiríamos nos reunificar [sob um governo de direita], ficaríamos apenas procurando culpados”, conclui João Pedro Rodrigues.

Por outro lado, também foi unânime a constatação de que aumenta a necessidade de pressão sobre o governo para redefinir os rumos da nação. Neste sentido, Lisete chegou a cobrar da CUT – que cedeu ao governo o seu presidente, Luis Marinho, hoje ministro do Trabalho – por mais autonomia, mas, de acordo com Artur Henrique, a mobilização de massas para cobrar o governo e o Congresso Nacional é consenso para o movimento sindical.

“Mas o nosso papel não é só levar a bandeirinha do contra, mas apresentar alternativas que sejam visíveis para a sociedade e que mobilizem trabalhadores e trabalhadoras para avançar no processo de mudança. Não acreditamos que simplesmente a eleição resolverá tudo”, adenda Artur.

Participação

A postura com que os movimentos sociais estão encarando estas eleições e a possibilidade de reeleição de Lula obviamente é muito diversa da que tinham na campanha de 2002. Em 2003, com Lula eleito, relembra Lisete, os movimentos sociais supervalorizaram a questão eleitoral, “mesmo que a gente soubesse que não era bem assim. O segundo momento foi da surpresa porque a expectativa era de um governo muito mais progressista e à esquerda. Isso fez com que nós nos recolhêssemos um pouco. Agora voltaremos com outra maturidade, outro tipo de pressão”.

Esta postura mais firme, avalia Ariel, teria que ser reforçada imediatamente. No caso da reeleição de Lula, “no dia seguinte temos que estar às suas portas com a lista de reivindicação, apresentando a fatura”, defende.

Mas o campo das reivindicações não poderá se limitar a demandas setoriais, o que traz a tona a real eficácia dos espaços de participação da sociedade civil nas decisões do governo. Segundo Nalu Faria, é verdade que foram constituídos uma série de Conselhos temáticos com ampla participação social, mas sua insuficiência estaria no seu aspecto meramente consultivo. “Sem poder de decisão, os Conselhos viram letra morta”, diz Nalu, exemplificando a aprovação dos Transgênicos, repudiados no Conselho do Meio Ambiente.

“O MST foi convidado para participar de quatro ou cinco conselhos consultivos, mas eles não decidiam nada. Então nós colocamos como cláusula que só iremos para um conselho se nos derem uma vaga no Conselho Monetário Nacional, onde se decidem coisas. Não faltou diálogo com o governo, mas boa conversa não basta, tem que ter ação”, cobra João Paulo.

Articulação

O idéia da articulação dos diversos segmentos e organizações para reforçar a disputa por um outro conceito ou modelo de desenvolvimento, nascida talvez do Fórum Social Mundial, tem sido abraçada pelos movimentos já no início de 2003, com a constituição da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), mas agora deve ser uma das principais estratégias de luta do setor.

“Passado o primeiro momento, os movimentos sociais tiveram como principal marca a construção da Coordenação dos Movimentos Sociais, e a partir dela, conseguimos perceber que se afirmávamos na teoria que os movimentos deveriam ter o caráter de pressionar e continuar com a sua autonomia, era a hora de unificar as lutas para então poder pressionar”, relembra Manuela D´Ávila.

Desta articulação nasceu uma pauta comum para o que os movimentos defendem como projeto de país, com quatro grandes eixos, explica Artur Henrique. “O primeiro é a soberania nacional com justiça social – e daí a importância de o Estado fazer investimentos e políticas públicas. O segundo é o desenvolvimento com justiça social, por exemplo ampliando o Conselho Monetário Nacional, de forma a que os movimentos sociais tenham assento também, e que haja metas de crescimento e emprego. O terceiro é que precisamos construir mecanismos de participação popular. E o quarto, que os direitos do povo devem ser ampliados, com geração de mais emprego e renda, com redução da jornada de trabalho. Isso unifica os movimentos sociais. É essa agenda que tem de ser colocada nos locais de trabalho”, afirma o presidente da CUT.

FRASES

“Lula não vai resolver nossos problemas, mas derrotar a direita. Vamos votar em Lula com o gosto de derrotar os tucanos, de ver a burguesia se derreter e isso ter um valor simbólico de vitória”
João Paulo Rodrigues, MST

“É preciso comparar o que foram os oito anos de governo FHC com os quatro anos de Lula. Antes os movimentos sociais nem eram recebidos. Nesses 12 anos de governo do PSDB e do PFL em São Paulo, eles chamam a polícia quando fazemos nossas manifestações. No governo Lula pelo menos se marcam audiências, ainda que, é verdade, não se resolvam todos os problemas”
Artur Henrique, CUT

“A disputa da hegemonia se dá pela disputa deste projeto na consciência da população. Isso passa por um projeto de redemocratização e de poder popular”
Nalu Faria, Marcha Mundial das Mulheres

“Temos que reconhecer avanços neste governo, em relação à Polícia Federal, por exemplo. A ação na Daslu e a prisão de Maluf foram um gol de placa. Nunca vimos a burguesia indo para a cadeia e, neste governo, vimos esses flagrantes”
Ariel de Castro Alves, MNDH

“A tese do ‘quanto pior, melhor’ foi defendida por parte da esquerda. Só quem não está na luta concreta acha isso. O voto nulo é uma forma preguiçosa de se achar que se está fazendo política”
Lisete Arelaro, Ande

“Temos que ter uma posição. Por isso nenhum movimento de responsabilidade chama o voto nulo”
Manuela D´Ávila, ex-diretora da UNE e deputada eleita pelo PcdoB-RS