Vale compra Inco: operação suspeita

Por Pedro Carrano
Da Agência Brasil de Fato

Ninguém disse nada, apenas se ouviram aplausos. No entanto, quando a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) arrebatou a mineradora canadense Inco, especializada na exploração de níquel, por 13, 4 bilhões de dólares, a diretoria da empresa ocultou as mais de 69 ações populares que contestam a privatização de 1997, sem falar na dívida que a empresa passou a ter com quatro bancos símbolos do capital transnacional.

A megaoperação foi classificada pelo jornalista Sebastião Nery como “o segundo roubo da Vale”. Isto porque a CVRD, ao buscar créditos em “empréstimos ponte” de 37 bancos europeus, contraiu uma dívida que elevará seu passivo dos atuais 5,8 bilhões de dólares para 23 bilhões, deixando a desconfiança entre especialistas sobre qual será o futuro desta cartada.

O ex-superintendente da Rede Ferroviária Federal Saulo de Tarso pergunta se a empresa agora não teria sido transferida ao capital estrangeiro, uma vez que a Vale terá uma dívida significativa com bancos encabeçados pelo Santander, Credit Suisse, ABN Amro e UBS. Como garantia ao mercado, a empresa vai emitir uma quantia de debêntures – títulos emitidos para o mercado que podem ser convertidos em ações. No caso de a companhia não cobrir a dívida, os bancos credores podem se tornar os donos das ações da companhia. “A minha pergunta é se a Vale tem pernas para isso, para dar esse salto e cobri-lo. O preço de minério no mercado vai ser favorável nos próximos anos?”, questiona Tarso.

Jogada financeira

Não custa nada lembrar que, em 1997, foi por meio deste tipo de operação de emissão de debêntures que o Bradesco aumentou o seu número de ações da Vale, ao financiar as empresas controladoras das ações da companhia, que não saldaram a dívida. Agora, fica a pergunta se os bancos estrangeiros não estarão fazendo este mesmo papel que coube ao Bradesco (leia aqui reportagem sobre o assunto).

Outra questão colocada por Tarso é porque assumir uma posição tão forte no mercado de níquel se a CVRD é responsável por 95% da produção mundial de nióbio, minério que possui as mesmas propriedades do níquel. O nióbio, uma vez fundido com o minério de ferro, forma uma liga que torna o ferro resistente ao desgaste. “É o material que se usa nos trilhos, por exemplo, mas no Brasil abandonaram a fabricação de trilho de qualquer tipo, e o de nióbio era uma tecnologia especial, feito com elemento em abundância no país”, lamenta Saulo de Tarso.

Ramos aponta que o governo canadense – ao contrário do discurso de que os países ricos seriam indiferentes ao movimento do mercado – cobrou uma série de exigências para a venda, como a demissão de no máximo 15% do quadro de funcionários em 3 anos.

Cortina de fumaça

Para o jurista Eloá Cruz – autor de ação popular pedindo a nulidade do leilão da CVRD -, a compra da mineradora canadense é obscura, pois a diretoria da Vale não informou ao mercado, tampouco para o Canadá, que está sob julgamento. Existe, hoje, 69 ações populares questionando o edital do leilão da companhia. O edital foi elaborado em 1995 e a companhia leiloada em 1997.

Na época, houve irregularidades com o edital do leilão, de acordo com a Lei de Licitação, segundo a qual um avaliador não pode participar do leilão – uma das modalidades da licitação. Porém, o banco Bradesco, um dos avaliadores do valor da empresa, participou da compra, uma vez que era acionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o grupo comprador à época da maioria das ações com direito a voto.