Parlamentares, R$ 24,5 mil; trabalhador, R$ 375

Por Eduardo Sales de Lima
Fonte Agência Brasil de Fato

Um parlamentar se considera 66 vezes mais importante do que um trabalhador que ganha um salário mínimo. Grosso modo, esse é o recado dos congressistas que aprovaram um reajuste de 91% em seus vencimentos que, agora, subirão para R$ 24,5 mil – uma taxa bem superior à inflação do período desde o último reajuste, em 2003, 28,4%. Dias antes, a Comissão do Orçamento da Câmara aprovou um salário mínimo de R$ 375, bem menos do que reivindicam as centrais sindicais (R$ 420).

A relação entre os vencimentos do “representante do povo” (R$ 24,5 mil) e o que os deputados consideram o mínimo para o povo (R$ 375) é de 66 vezes. “Nos países democráticos e civilizados, a diferença entre o menor e o maior salário não supera a 15 vezes. Evidentemente, nós temos uma enorme discrepância e uma falta de visibilidade social e política que permite situações como essa”, avalia o economista Márcio Pochmann.

Para ele, esse contra-senso resume bem as distorções da democracia brasileira. “Isto está diretamente relacionado à correlação de forças. Os segmentos que dependem do salário mínimo para sobreviver de maneira geral são desorganizados no Brasil e com baixa capacidade de pressão. Ao contrário dos parlamentares, que representam uma parcela muito pequena da população e possuem uma enorme capacidade de pressão”, avalia o pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo o economista, a democracia termina resultando dessa capacidade de pressão que faz com que “aqueles mais organizados tenham melhores benefícios que o conjunto grande da sociedade, que tem mais dificuldade de organização”.

Reação em cadeia

O aumento de salário para deputados e senadores terá reflexo nos salários de deputados estaduais e vereadores de algumas cidades, já que a legislação determina que Estados e municípios sigam o aumento federal.

Além do salário, cada deputado tem direito a uma verba indenizatória de R$ 15 mil, R$ 50 mil para gastar com o gabinete, R$ 3 mil para auxílio-moradia, R$ 4 mil para correios e telefones e mais quatro passagens mensais de ida e volta para seu Estado (clique para ver quem votou contra e a favor ao aumento dos próprios salários).

O presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, justifica a medida afirmando que a Casa irá realizar cortes com gastos administrativos.

“A fixação desse subsídio implica e exige cortes de gastos na Câmara e no Senado para ficar dentro do nosso orçamento. Ou seja, não haverá aumento de despesa. A Câmara e o Senado cortarão de seus gastos o suficiente para que a fixação dos subsídios esteja dentro do seu previsto”, afirma.

No entanto, os deputados – e o próprio governo – não têm demonstrado o mesmo esforço em encontrar soluções orçamentárias para um aumento mais generoso do salário mínimo. Mesmo sabendo que, hoje, seu valor é inferior ao que define a Constituição. Segundo cálculos do Dieese, cada trabalhador brasileiro deveria ganhar, pelo menos, R$ 1.510. Com esse valor, o trabalhador poderia suprir suas necessidades básicas de alimentação, transporte, saúde e moradia.

Previdência

A retórica parlamentar para justificar a necessidade do aumento de seus próprios vencimentos também tem sinal inverso na discussão sobre o reajuste do mínimo – a generosidade verificada na defesa da causa própria vira avareza. O maior argumento, do governo e dos parlamentares, para não conceder um reajuste maior é o impacto que isso poderia provocar nas contas da Previdência Social – onde o piso dos benefícios é o salário mínimo.

No entanto, como ressalta Márcio Pochmann, os congressistas se esquecem de que boa parte da receita da Previdência está sendo desviada, contrariando o que também diz a Constituição de 1988. O texto da Carta Magna define que o orçamento da Seguridade Social é composto por uma série de tributos voltados exclusivamente para o financiamento da Previdência, da Assistência Social e da Saúde. Parte desses recursos, no entanto, são desviados de sua finalidade pelo mecanismos da Desvinculação das Receitas da União (DRU), instituída pelo governo federal com aval do Congresso.

(Colaborou Luiz Renato Almeida, da Agência Chasque)