Sem Terra saem de fazenda com ameaças de jagunços no Ceará

O MST deixou na manhã desta quarta-feira (24/01) a fazenda Qualibrás, de criação de camarão em cativeiros em Itapipoca, região litorânea do Ceará, depois de trabalhadores rurais receberem ameaças de pistoleiros contratados pelo proprietário da área. Na madrugada de segunda-feira (22/01), 150 famílias do MST ocuparam a área para denunciar a destruição ambiental de mangues e a lentidão do processo de Reforma Agrária no estado.

Na noite de ontem, jagunços armados rodearam o acampamento, deixando os homens, mulheres e crianças amedrontados. Com isso, os trabalhadores resolveram sair da área para evitar qualquer conflito que colocasse em risco a segurança das famílias.

Os Sem Terra moram nos acampamentos Malamba e Guaribas, na região do litoral do Ceará. Algumas famílias estão há mais de cinco anos embaixo da lona preta na luta pela Reforma Agrária.

Em 2006, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) tinha como meta o assentamento de 2.000 famílias no estado. No entanto, somente 206 famílias receberam os lotes.

Negociação

Em audiência com o MST, a superintendência do INCRA no Ceará garantiu que vai montar uma equipe de trabalho para investigar as denúncias de destruição ambiental de mangues na região. Além disso, prometeu fazer vistorias de área requisitadas pelo Movimento até o dia 15 de fevereiro para acelerar o processo de desapropriação de terras.

“A decisão do Movimento é ocupar todas as fazendas onde existam acampamentos para pressionar o governo a acelerar a reforma agrária no Estado”, disse Odair Magalhães, da direção estadual do MST. Denuncia também a lentidão do Incra para encaminhar a desapropriação e emissões de posse das áreas no Ceará. Mais de 1.700 famílias do movimento vivem em acampamentos no estado.

Para resolver os problemas de parte dessas famílias, os Sem Terra reivindicam que INCRA realize vistorias e desaproprie áreas para atender cinco acampamentos da região: Oziel Alves, em Paracurú, Guaribas e Malamba, Terra e Lagoa do Mucambo, na região de Itapipoca.

Pela manhã, aconteceu também uma audiência com a Funai (Fundação Nacional do Índio), com índios da região, que também estavam na ocupação na fazenda, para discutir a demarcação de terras na área indígena de Buritis, em Itapipoca.

“Tudo depende da Funai em Brasília”, disse o chefe da Funai no Ceará, Nemésio Moreira de Oliveira Júnior, que não encaminhou as reivindicações dos índios. “A Funai no Brasil inteiro está sem condição de trabalho na parte de demarcação por falta de profissionais. Para atender todo o país, só temos sete pessoas. Antes, tem que ser feito um estudo topográfico”.

Destruição de manguezais

O MST denunciou com a ocupação também mais um ato de violência do agronegócio no país com a destruição de manguezais na região pelo grupo Qualibrás. Esse crime ambiental é considerado grave, de acordo com as leis brasileiras, por causa da importância dos mangues na cadeia alimentar marinha.

Luciana Queiros, da Organização Não-Governamental Instituto Terramar, afirma que as fazendas desrespeitam as leis no Ceará. “Em área de preservação permanente não podem ser construídos viveiros de camarão. Está na lei, mas não é isso que estamos identificando. Um diagnóstico feito pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] identificou que 75% das fazendas do Ceará são construídas em áreas de preservação permanente, desrespeitando as leis do estado”.

A produção sem controle de camarão avança sobre os manguezais no Nordeste do país, denunciou o jornal O Estado de S. Paulo, em setembro de 2006. Vários produtores são alvo de denúncias pela destruição de manguezais por criadores de camarão em cativeiro. Já foram encontradas irregularidades em viveiros inspecionados na região, resultando em multas, ações judiciais e cobranças para que os órgãos de fiscalização sejam mais eficientes.

No entanto, desde 1997 aumenta o número de fazendas em operação, o que implica em devastação dos mangues. Estudos registram que cerca de 70% das espécies de animais do mar dependem dos mangues, que chegam a ser chamados de berçários marinhos.

Apesar da importância ambiental e da legislação, os criadores de camarão em cativeiro seguem a devastação. Entre 2003 e 2004, a área de criadouros no Brasil passou de 14.824 hectares para 16.598.

Isso representa uma variação de 1.774 hectares, segundo números da Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC). Cerca de mil fazendas estão funcionando no país. Nos anos 80, eram 20.

Os mangues são as áreas mais procuradas pelos devastadores por causa do baixo custo de produção. Além da água farta e próxima, o movimento da maré contribui para uma redução considerável nos gastos com bombeamento de água para dentro dos tanques.