Governo muda discurso sobre Transposição do São Francisco

Por Luís Brasilino
Agência Brasil de Fato

Fevereiro será o mês no qual os movimentos sociais vão mostrar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não vai ser fácil começar as obras de transposição do Rio São Francisco. Em resposta à disposição do governo de iniciar a construção, reafirmada na inclusão do projeto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – inclusive com um orçamento 47% maior que o original, de R$ 6,6 bilhões –, serão realizadas mobilizações em Brasília (DF), vigílias nos locais previstos para a captação das águas do Velho Chico (Petrolândia e Cabrobó, em Pernambuco) e novas ações judiciais. Além disso, foi enviada ao presidente Lula uma nova carta pedindo a reabertura do diálogo.

O maior desconforto nas organizações da sociedade civil contrárias ao projeto vem sendo gerado pelo ministro Pedro Brito (Integração Nacional). Ele tem afirmado que as obras podem começar a qualquer momento, dependendo apenas da licença de instalação a ser concedida pelo Ibama, desde 18 de dezembro de 2006. Nessa data, o ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu as liminares que questionavam a licença ambiental prévia da transposição, além de considerar todas as entidades da sociedade civil ilegítimas de entrar com processos no STF.

Um dia depois, o Tribunal entrou num recesso. Os movimentos tiveram que esperar até fevereiro para entrar com recurso. No dia 7, porém, o Fórum Permanente de Defesa do São Francisco (da Bahia) apresentou ao STF um agravo regimental no qual reafirma a legitimidade das organizações e aponta “irregularidades” desconsideradas por Sepúlveda.

São elas: como falhas e omissões no Estudo de Impacto Ambiental (EIA); falta de diagnóstico das populações afetadas; desrespeito às comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas localizadas na Bacia; ofensa ao direito de informação e participação popular; inadequação do projeto à legislação ambiental e de recursos hídricos; e falta de autorização do Congresso Nacional para aproveitamento hídrico em terras indígenas. O recurso deve ser apreciado por outros cinco ministros do Supremo. Já o mérito das liminares cassadas precisa ser julgado por todos os 11 juízes do STF.

A volta do diálogo

Na carta* enviada ao presidente Lula, os movimentos fazem uma retrospectiva da discussão acerca do projeto durante o primeiro mandato e reivindicam a reabertura do diálogo. Eles lembram que, após a greve de fome do frei Luiz Flávio Cappio, em outubro de 2005, o governo se comprometeu a suspender o início das obras até que as discussões sobre a transposição esgotadas.

“A metodologia construída implicava na realização de dois seminários temáticos, em Brasília, e se estenderia para encontros ampliados em locais que contemplassem o conjunto da região semi-árida”, afirma a carta. O primeiro aconteceu nos dias 6 e 7 de julho de 2006 e contou com a participação de membros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Articulação do Semi-árido (ASA), de universidades, de comunidades tradicionais (povos indígenas, quilombolas e pescadores), do Ministério Público, dentre outros movimentos sociais.

Segundo a carta, o seminário foi considerado, por representantes da sociedade civil e do governo, um marco importante na construção de saídas para a crise gerada pela tentativa de implementação de um projeto que é extremamente polêmico. O trabalho que se seguiu foi considerado “excelente”.

O texto continua: “Por solicitação dos representantes governamentais, que vinham conduzindo durante todo o processo as ações de forma democrática e coerente com os princípios propostos, as atividades do Grupo de Trabalho foram postergadas para período posterior ao período eleitoral. Desde então, tentamos garantir a retomada dos trabalhos, sem recebermos por parte do governo sinais claros sobre a continuidade deste processo”.

Mudança de posição

A reeleição de Lula mudou a postura do governo. “O que nos causou maior perplexidade foi ver a decisão do STF e os repetidos anúncios veiculados pela imprensa, informando que as obras da transposição deverão ser retomadas e, de forma breve, ainda para o mês de fevereiro em total afronta ao pactuado e ao caminho que vinha sendo trilhado conjuntamente em busca de soluções. Surpresa maior foi verificar no PAC a relevância que foi dada ao projeto.”, lamentam os movimentos.

Por fim, a carta reclama a realização do diálogo prometido, afirmando que ele é mais do que necessário. “Traduz-se hoje para todo o povo brasileiro como respeito ao Estado Democrático de Direito que privilegia a participação popular na tomada decisão, mas somente será possível com transparência e hombridade e, para tanto, faz-se indispensável garantir os compromissos assumidos”, cobra.

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* Assinam a carta, enviada ao presidente Lula, Adriano Martins, representante do frei Luiz Flávio Cappio; Luciana Khoury, coordenadora interestadual das Promotorias de Justiça do São Francisco; Marcela Menezes, representante do Fórum Permanente de Defesa do São Francisco da Bahia; Yvonilde Medeiros, secretária executiva do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco; e Clêusa Alves Silva, membro da coordenação executiva da ASA.

Também assinam o documento: Fórum de ONGs Mineiro, Fórum de Comitês de Minas Gerais, Frente Cearense por Uma Nova Cultura da Água, Via Campesina, populações indígenas, quilombolas e pescadores da Bacia do São Francisco e técnicos críticos à transposição.