Ibama: “desmonte” premeditado

Por Mônica Pinto AmbienteBrasil Nessa entrevista, o presidente da Associação dos Servidores do Ibama – Asibama - no Distrito Federal, Jonas Moraes Corrêa faz denúncias tão surpreendentes quanto graves. Há 23 anos lotado no Laboratório de Produtos Florestais, Centro Especializado do Ibama em Pesquisa e Tecnologia de Madeira, trabalhando no núcleo de Estatística e Computação, ele foi vice-presidente da Asibama no biênio 2000/2002, tornou-se presidente para o biênio seguinte, sendo reeleito, em 2004, com 90% dos votos. Leia abaixo a entrevista completa:

Por Mônica Pinto
AmbienteBrasil

Nessa entrevista, o presidente da Associação dos Servidores do Ibama – Asibama – no Distrito Federal, Jonas Moraes Corrêa faz denúncias tão surpreendentes quanto graves. Há 23 anos lotado no Laboratório de Produtos Florestais, Centro Especializado do Ibama em Pesquisa e Tecnologia de Madeira, trabalhando no núcleo de Estatística e Computação, ele foi vice-presidente da Asibama no biênio 2000/2002, tornou-se presidente para o biênio seguinte, sendo reeleito, em 2004, com 90% dos votos. Leia abaixo a entrevista completa:

As associações de servidores do Ibama vêm denunciando, praticamente desde o início do atual Governo, o que chamam de “desmonte” do Instituto. Como esse desmonte se verifica na prática?

Na prática, o desmonte está resumido nas manchetes diárias dos jornais que colocam o Ibama como uma “selva de irregularidades” a partir das constatações potencializadas, diga-se de passagem, no relatório de avaliação de gestão do Instituto feita pelos órgãos de controle.

É possível que tais irregularidades existam, mas é injusto colocar a questão na dimensão de uma “selva” uma vez que a incompetência e a ignorância, no sentido do não saber mesmo, que hoje permeiam o Ibama, nunca foram qualificativos com os quais a sociedade identificava o Instituto. Pelo contrário. A incompetência é tão danosa quanto a corrupção. Aliás, a incompetência e a ignorância são terreno fértil para os desvios de conduta e espaço aberto para os espertos de plantão, existentes em todas as organizações humanas.

O Ibama sempre foi tido e respeitado como um órgão de referência em gestão ambiental, desde a comunidade científica, nacional e internacional, até o imaginário popular. Este capital acumulado pelo Ibama ao longo de sua trajetória, apesar dos pesares, foram jogados no lixo pelos herdeiros dos cargos estratégicos do Ibama. A isso nós chamamos de “desmonte” do Ibama.

As tentativas explícitas de apagá-lo, de desqualificá-lo, para justificar a colocação de qualquer coisa em seu lugar, estão evidenciadas nas máximas de que “o Ibama atrapalha”, o “Ibama não tem sensibilidade social”, o “Ibama não pratica o desenvolvimento sustentável” (conceito hoje utilizado para justificar o “desenvolvimento a qualquer preço”, assim como foi no passado) e outras desculpas mais, fabricadas e vendidas como verdades e como justificativa para desestruturar e desmontar o Ibama.

Quais as conseqüências disso?

O mais complicado foi o efeito desse desmonte no corpo funcional do Ibama, em seus servidores, que fizeram de suas vidas uma bandeira em defesa da vida, que se encheram de esperança com as perspectivas de um novo tempo pelo qual trabalharam e que agora estão perplexos e desestimulados. As evidências estão aí, onde quer que haja uma unidade do Ibama. Tudo parado por absoluta falta de meios para funcionar minimamente.

Num manifesto divulgado recentemente, os servidores falam em um “massacre do Ibama”, que estaria sendo vítima “da incompetência instalada dentro do MMA e da vontade de outros setores em ver esse órgão não dar certo”. A quem interessa que o Ibama “não dê certo”?

Em primeiro lugar, interessa ao MMA que o Ibama não dê certo, que se apague, ou seja apagado de preferência, para justificar assim e, equivocadamente, sua própria existência e o voluntarismo de seus dirigentes, é claro. Aliás, é muito importante não generalizar, mas sim, pontuar com muita clareza para não sermos injustos.

Do MMA, enquanto topo do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, nós, servidores do Ibama, somos defensores intransigentes por convicção e também por necessidade. Nós não vamos admitir que a política ambiental não tenha o mesmo espaço e as mesmas estruturas de poder das demais políticas públicas. Já protagonizamos esse filme antes. Aliás, o MMA nasceu de uma intransigência nossa enquanto trabalhadores do meio ambiente e defensores do interesse coletivo, por opção e por dever de ofício.

Esta é também uma de nossas bandeiras mais caras, hoje submetida, infelizmente, à vontade de um ING (Individuo Não Governamental) que se encastelou lá no MMA, naquela cota de “apoio de segmento” que viabiliza governos, em um dos cargos mais importantes, sem desmerecer os demais, da estrutura do Ministério: a Secretaria de Biodiversidade e Florestas.

Como assim?

Tecnicamente é muito complicado explicar porque os órgãos públicos têm que ser submetidos a essas situações, de terem seus cargos gerenciais utilizados como moeda de barganha em troca de apoio político. Então, só é possível compreender se politizarmos a questão e fizermos um esforço para entender o contexto. No nosso caso, área ambiental, este é o preço do avanço que a gente tem conquistado na implementação de uma política ambiental no nosso país.

A fragilidade e desmonte do Ibama também são patrocinados por alguns empreendedores, tanto governamentais, quanto da iniciativa privada, que desmoralizam publicamente as autoridades ambientais por continuarem achando que os recursos ambientais são infinitos e devem ser usados até a exaustão, de preferência sem nenhuma regra ou controle. A estes interessa que o Ibama não exista. Acham que controle e cuidado ambiental é simplesmente uma questão burocrática.

Recentemente houve um seminário na Câmara dos Deputados onde o representante do setor de grandes empreendimentos geradores de impactos ambientais irreversíveis reivindicava para seu grupo a prerrogativa de se auto-licenciar argumentando que o setor tem responsabilidade social, gera empregos e, portanto pode fazer seu próprio licenciamento. No governo essa máxima também está presente em alguns Ministérios.

Uma evidência muito forte de a quem interessa desmantelar o Ibama está na repartição dos recursos e meios públicos especialmente o orçamento. Basta verificar quanto o Ministério da Integração, por exemplo, dispõe e quanto foi destinado ao MMA. Depois compare-se quanto destes recursos são alocados ao Ibama e quanto é retido no Ministério. E olhe que o Ibama é um órgão arrecadador. Imagine se não fosse.

Em uma assembléia realizada no dia 06 passado, ficou deliberada a luta contra a “ONGuização dentro do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama”. O que isso significa?

As ONGs ambientalistas têm um papel muito importante e a trajetória delas na construção de uma política ambiental no Brasil é de inquestionável valor. Os problemas começam quando determinadas ONGs deixaram de exercer seus papéis, abriram mão do exercício da crítica, da cobrança, do controle pela sociedade para exercer o papel do Estado e do Governo.

Registre-se que a grande maioria das ONGs ambientalistas ainda se mantém em seus papéis mas em contrapartida, ou por corporativismo, fecham os olhos e não questionam publicamente algumas delas que se transformaram, ou foram criadas, como grife de verdadeiras empresas para viabilizarem seus interesses dentro da máquina pública.

São estas últimas que se apropriam do poder de Estados, sem respeitar as regras do serviço público, cuja forma de acesso é ser portador de cargo efetivo, por meio de concursos públicos, ou por processo eletivo. Elas não têm interesse em melhorar os serviços públicos e defender os interesses coletivos com imparcialidade, impessoalidade e equanimidade. Dentro da máquina pública o que elas querem é viabilizar seus interesses particulares, fazer seus negócios visando lucro e carreando os recursos públicos para si.

Como vai se expressar essa luta da Asibama contra a “ONGuização” do MMA?

Vamos atuar em duas frentes. A primeira é estabelecer tantos fóruns quantos necessários forem para definir com clareza quais são os limites e as fronteiras da atuação das ONGs dentro do aparelho do Estado. A direção do MMA e do Ibama vêm fugindo dessa discussão, mas ela está lá na nossa pauta de reivindicações desde 2003, quando o processo de interferência exacerbada das ONGs começou.

A segunda frente é continuar agindo concretamente para formação de um quadro de pessoal para o MMA, com profissionais formalmente habilitados para a função pública e selecionadas por concursos públicos.

Até recentemente o MMA operava quase que exclusivamente com pessoas estranhas ao serviço público, na forma de cargos comissionados, contratos com organismos internacionais, terceirizados e requisição de um ou outro servidor público, do Ibama, inclusive.

A Asibama é contrária à aprovação do PL de gestão de florestas públicas. Por que?

Inicialmente, somos contrários ao regime de urgência constitucional solicitada pelo governo tanto na Câmara quanto no Senado, o que vem impedindo uma maior, melhor e mais transparente discussão deste polêmico projeto com toda a sociedade brasileira. Se o projeto é bom e indispensável para o país, porque então a urgência em passar pelo Congresso Nacional se os seus resultados são de médio e longo prazo?

Depois, os instrumentos e procedimentos propostos pelo projeto não garantem o uso eficiente e sustentável das nossas florestas, bem como o desenvolvimento sócio-econômico sustentável da Região Amazônica. O PL é mais uma regulamentação dentro da política de gestão ambiental baseada quase que exclusivamente no enfoque dos instrumentos de comando e controle (por ex: Estudos de Impacto Ambiental, Licenciamentos, Zoneamentos e Controles Diretos), aliás, como a maioria das políticas ambientais no Brasil. O PL não inova, ou seja, não apresenta instrumentos econômicos de gestão ambiental que busquem alcançar metas ambientais através de incentivos ou desincentivos (por ex: via sistema de preços, taxas, impostos, subsídios, etc.). Os instrumentos econômicos são praticamente inexistentes no cenário da nossa política pública ambiental, exceto pelo uso das multas. Mesmo essas muitas vezes utilizadas de maneira distorcida.

Qual seria uma alternativa viável ao PL?

O Ibama sempre defendeu uma flexibilização da Lei nº. 8.666 para o caso da gestão de Florestas Nacionais – FLONAS. Tanto que a proposta de concessão florestal apresentada em 2002, com a participação do Ibama, tratava exclusivamente das FLONAS e da flexibilização da referida Lei nº. 8.666. E nunca se falou que esta seria a única opção para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, como pregam os defensores do PL. Na verdade, esta é a opção que o governo escolheu, mas longe de ser a única.

A questão da sustentabilidade é bem mais complexa do que está proposto no PL. O uso sustentável dos recursos florestais passa por entraves fundiários, orçamentários / financeiros, comunitários, logísticos, burocráticos, estruturais e culmina com a falta de prioridades para a gestão das florestas e a definição de ações no contexto da política florestal brasileira.

Um dos pontos que a Asibama mais questiona no PL é a criação do Serviço Florestal Brasileiro, não é?

O que justifica a criação do Serviço Florestal Brasileiro é basicamente, a ausência de uma estrutura adequada para lidar com o fomento e desenvolvimento, bem como a necessidade de separação de funções diante de um “conflito de interesses” entre as diversas funções públicas relacionadas ao setor florestal e também, da ausência de uma estrutura responsável pela outorga de florestas públicas. Alegar a necessidade de separação de funções com interesses “conflitantes” é desconhecer toda a estrutura e competência do Ibama e da própria Diretoria de Florestas do órgão.

Ao invés de fortalecer o Ibama, o governo está criando uma nova estrutura, com gastos dos já escassos recursos públicos destinados à área florestal. A tarefa de monitorar vastas áreas e verificar o cumprimento do contrato de concessão é bastante complexa e requer, além de apoio político, técnico e logístico, uma estrutura institucional e organizacional forte e tecnologicamente avançada. O atual PL não prevê essas condições para os órgãos federais, estaduais e municipais envolvidos no processo de gestão florestal.

O Serviço Florestal proposto pelo PL é na verdade, uma agência reguladora disfarçada. O Brasil precisa é de um Serviço Florestal do tamanho da sua vocação florestal e se este Serviço não pode ser realizado pelo Ibama, então a sua estrutura e competências devem ser discutidas e construídas em um amplo e profundo debate com a sociedade brasileira.

A Associação também colocou, entre suas bandeiras de luta, que a transposição do rio São Francisco seja melhor discutida. Não é um contra-senso, já que o próprio órgão licenciou a obra?

O fato do Ibama cumprir o seu papel de emitir licenças para projetos que cumprem os requisitos técnicos estabelecidos em normas (Leis, Decretos, Resoluções e etc.,) não impede, de forma alguma, que seus servidores, aliados à sociedade, exijam maiores estudos, mais cuidados e aprofundamento das discussões sobre outros aspectos que não os meramente técnicos. Um projeto de tamanha envergadura como esse, cujos impactos são irreversíveis, precisa de mais certezas do que as tantas incertezas que se tem hoje.

É preciso revitalizar toda a bacia, recuperar todos os estragos que já foram feitos por usos inadequados e agressões ao rio São Francisco ao longo desses séculos antes de qualquer ação que envolva seu uso na escala que se propõe – aliás, que se impõe.

Os servidores queixam-se também da “centralização de recursos no Ministério do Meio Ambiente”. Que efeito isso está tendo sobre o trabalho do Ibama?

Todos. Principalmente os negativos. Na própria questão do São Francisco, o MMA reteve todos os recursos necessários à preparação das comunidades para as audiências, por meio dos processos de educação ambiental. A maioria das unidades descentralizadas do Ibama está operando pelo voluntarismo e cotização dos servidores para aquisição de materiais, ou o que é muito grave, pago pelos empreendedores ou usuários dos serviços do Ibama. O prédio do Ibama onde funciona a Gerência Executiva em Palmas-TO foi simplesmente interditado e os servidores colocados em férias coletivas.

No Mato Grosso e no Acre, terra da própria ministra do Meio Ambiente, a situação beira ao dramático e assim o é na maioria das nossas unidades. Enquanto isso, no MMA os recursos correm soltos para viagens internacionais, basta ver nos Diários Oficiais e a farra de transferências de recursos para ONGs. Está publicado em jornais.

A autonomia administrativa e financeira do Ibama foi simplesmente desrespeitada e apropriada pelo MMA sem nenhum protesto da parte da Direção do Ibama. Nunca se viu algo assim em toda a história do Instituto.

Quais foram as principais lições deixadas pela Operação Curupira?

Foram muitas e todas elas, as lições, batem perifericamente nas questões centrais dos problemas que a área ambiental enfrenta, especialmente o Ibama, essas sim recorrentes e históricas. A Operação Curupira foi só mais uma e infelizmente não será a última.

A diferença entre as operações anteriores e esta foi que esta visava aos holofotes e ao espetáculo pífio com câmara, luz e ação. A precipitação da deflagração da Operação Curupira teve como causa a necessidade de retirar das manchetes dos jornais nacionais e internacionais as notícias sobre os escandalosos índices de desmatamento atingidos em 2004. Declaração nesse sentido, por parte do Procurador Mário Lúcio Avelar, constam nos autos da CPI da Biopirataria, no Congresso Nacional. Nesse sentido, a Operação Curupira cumpriu seus objetivos.

Quanto a identificar corretamente, corrigir os rumos e reparar os danos no meio ambiente, os estragos nas instituições e nas pessoas ainda se aguarda os resultados.

Qual a prioridade número um dos servidores do Ibama neste momento?

Lutar pelo fortalecimento do Ibama. E, sinceramente? Reanimar as pessoas, recolher e colar tantos cacos depois que esse vendaval de ataques, achincalhes e denuncismos apócrifos pararem de assolar o Ibama e principalmente, continuar, como sempre, na luta e na busca de meios e inventando maneiras de exercer um serviço público com qualidade, pela integridade do Ibama e em defesa do meio ambiente.