Etanol: combustível da exploração do trabalho no campo

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Eduardo Sales de Lima
Brasil de Fato

Crescem os negócios e diminuem os direitos. O argumento dos empresários e dos países ricos para o aumento da produção do etanol é o de aliviar, de uma só vez, dois grandes males do século 21: a escassez do petróleo e o efeito estufa. Além das contradições deste discurso, essa proposta não parece nada “sustentável” do ponto de vista da situação dos “corta-cana” – trabalhadores dos canaviais. “Historicamente, a produção de açúcar está associada com o trabalho escravo de índios e negros”, afirma Plácido Júnior, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Pernambuco.

A senhora Maria Neusa Borges, de 54 anos, faleceu no dia 24 de julho e trabalhava como “corta-cana” na Fazenda Santa Cruz, em Ariranha, São Paulo. A causa de sua morte foi dada como desconhecida. As jornadas extenuantes dos cortadores de cana também são ignoradas pela mídia corporativa, que aderiu à animação com o etanol.

Segundo dados da Comissão Pastoral do Migrante (CPM), desde 2004 foram 15 óbitos, só no estado de São Paulo. A maioria é de migrantes de Minas Gerais e do Nordeste, quase todas relacionadas ao excesso de trabalho em usinas e canaviais.

Jornadas extenuantes

O salário de um cortador de cana gira em torno de R$ 300 a R$ 400, dependendo da região do Brasil. Ganha-se por produção. “Trabalham de oito a nove horas diárias, intensivamente, de segunda a sábado. Perdem 6 quilos no final da safra e são obrigados a cortar, no mínimo, 12 toneladas de cana. A cada 10 toneladas, são 9.700 golpes sob um calor intenso e utilizando calça comprida, caneleira, sapatão, luvas, blusa de manga comprida e boné com lenço”, relata a socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva.

Ao lado do excesso de esforço físico, que pode causar paradas respiratória e cardiovasculares, a inalação de gás cancerígeno liberado quando se corta a cana queimada é outro fator que contribui para os óbitos. O corte manual é muito barato porque o lucro dos empresários é resultado, entre outros fatores, da exploração do trabalhador.

Segundo Aparício Quirino Salomão, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas, o que dificulta o processo de luta dos trabalhadores é o fato de a grande maioria ser formada por migrantes safristas (temporários) que não se vinculam aos sindicatos e vivem segmentados estrategicamente, por mando dos patrões. “Alojamento de maranhense só tem maranhense, de paraibano só paraibano”, completa.

Para a socióloga Maria Aparecida, esses casos estão bastante próximos daqueles descritos por Marx em “O Capital”, referentes às indústrias da Inglaterra no século XIX. Em seu artigo, “Em busca do passado para conhecer o presente – trabalhadores migrantes na região de Ribeirão Preto”, ela faz a comparação: “Muitas vidas foram ceifadas em função das longas jornadas e das péssimas condições de trabalho. Na expressão marxiana, o capital era o vampiro que se alimentava do sangue dos trabalhadores”, cita a professora.

Salário por produção

Segundo o Ministério Público do Trabalho de Campinas, existem, aproximadamente, 148 procedimentos ativos na Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, envolvendo usinas de cana-de-açúcar. Mais de 140 empresas foram fiscalizadas e autuadas em 2006, em cidades como Piracicaba, Ribeirão Preto e Bauru. A principal batalha dos Ministério Público é acabar com o trabalho por produção.

Os sindicalistas apóiam esse movimento. “A posição da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agrcultura (Contag) é que o trabalhador deveria ter um salário justo e atuasse dentro de uma quantidade de esforço que não prejudicasse sua saúde”, diz Aristides dos Santos, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape), que completa: “aqui no Nordeste, em vez do período de corte de cana ser de 5 ou 6 meses, ele é de três. Essa exploração é uma forma de as usinas moerem uma quantidade maior de cana e usarem um contigente menor de trabalhadores. Os empresários roubam até no peso”.