Frei Cáppio cobra de Lula diálogo público sobre transposição

Jonas Valente
Agência Carta Maior

Pouco mais de um ano depois de ter feito greve de fome contra a transposição do rio São Francisco, o bispo da diocese de Barra (BA), Dom Luís Cáppio – que, à época (outubro de 2005), foi dissuadido do protesto pelo governo com a promessa de aprofundamento do diálogo com a sociedade civil -, voltou ao Palácio do Planalto ontem, dia 22, para entregar uma carta ao presidente Lula, cobrando o cumprimento do acordo. O ato inaugurou uma jornada de mobilizações de diversas organizações, como pastorais sociais da igreja Católica, ONGs e associações de comunidades que vivem na região do Semi-Árido brasileiro, para pressionar o governo a não iniciar as obras de transposição sem um debate com a população da região.

A movimentação das entidades é uma resposta à anunciada retomada do projeto, que foi incluído como prioridade do Programa de Aceleração do Crescimento nas iniciativas referentes à infra-estrutura hídrica. O PAC prevê R$ 6,6 bilhões de reais para a transposição entre 2007 e 2010, de um total de R$ 12,6 bilhões a serem investidos nesta área. Para 2007, o programa prevê R$ 837 milhões para a transposição.

Em coletiva de imprensa realizada na manhã desta quinta, D. Luís Cáppio e outras organizações que vêm lutando pela revitalização do São Francisco questionaram a medida, lembrando o compromisso assumido pelo presidente Lula quanto a realização de estuds de alternativas que pudessem substituir a transposição.

Em um seminário realizado em julho de 2006, técnicos de universidades e das organizações debateram durante três dias com as mais diversas áreas do governo e criaram para a continuidade dos trabalhos três câmaras mistas com o objetivo de aprofundar proposições para a revitalização do Rio São Francisco. Seria dentro de uma destas câmaras que a transposição seria debatida. “De lá para cá, o governo fechou possibilidade de diálogo e fomos surpreendidos com a inclusão do projeto da transposição no PAC”, explicou Luís Cláudio Mandela, da Cáritas.

Segundo D. Luís Cáppio, o presidente Lula teria solicitado a apresentação de alternativas ao projeto da transposição, o que já vinha sendo feito e foi reforçado na carta entregue hoje. “Na nossa conversa com Lula, ele nos pediu que apresentássemos alternativas viáveis e na carta apresentamos uma série delas, inclusive iniciativas do próprio governo para um projeto alternativo”, declarou o bispo. Entre as alternativas, Cappio citou um conjunto de 530 projetos elaborados pela Agência Nacional de Águas (ANA), que atenderia as necessidades das populações residentes na região do Semi-Árido e teria custo geral muito menor – cerca de R$ 3,6 bilhões, quase metade dos R$ 6,6 bilhões previstos no PAC. Estas medidas compõem uma proposta abrangente de revitalização, que desde o início do debate sobre o tema rivaliza com iniciativa da transposição.

Na coletiva, D. Luís Cáppio e os demais representantes de entidades lembraram as críticas ao projeto. A principal diz respeito aos destinatários da água que será disponibilizada. Rubens Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra, avalia que os recursos hídricos desviados no projeto servirão a grandes ramos produtivos como o agronegócio, a siderurgia e a carcinicultura (criação de camarões), e não à população que hoje passa sede no Semi-Árido. Luís Cláudio Mandela cita o caso de soluções semelhantes já realizadas na parte baiana do São Francisco, que não só não resolveu o problema da população como gerou mais pobreza.

Além de não atender aos 12 milhões de pessoas que realmente precisam de água, continua Mandela, o projeto vai onerar as pessoas que hoje já têm acesso à água. “A população de Fortaleza, dos grandes centros, que hoje estão sendo beneficiadas com acesso à água, vai dividir o custo da água com o agronegócio na sua conta de água com a perspectiva da integração das bacias”, explica. Um dos receios das organizações é que o custo do metro cúbico de água acabe sendo muito alto, o que pode inviabilizar o acesso a este recurso por parte da população mais pobre. Estudos da Unicamp, segundo os presentes na coletiva, já teriam atentado para este risco.

Nesta disputa de concepções, a interlocução direta com o presidente Lula teve intenção clara de enfraquecer o Ministério da Integração, principal adversário e defensor do atual projeto. “O Ministério da Integração sempre andou na contramão do governo. Confunde a opinião pública e quer enfiar goela abaixo o projeto, mesmo sem a sociedade querê-lo”, afirmou o D. Luís Cáppio. A referência ao atropelo da pasta se deveu ao fato do seu titular, Pedro Britto, já ter retomado o projeto ao transferir recursos para o batalhão do Exército iniciar obras e ter aberto licitação para detalhamento do projeto. O intuito de Britto é deixar a máquina em ponto para quando o último embargo, o licenciamento de instalação que deve ser dado pelo IBAMA, ser superado. O presidente do órgão ambiental declarou que ainda em fevereiro o parecer estaria pronto.

Ao final da coletiva, D. Luís Cáppio deixou um recado ao governo. “Eu quero acreditar no mínimo de lucidez do governo Lula para não impor de maneira ditatorial um projeto que não é aceito pela sociedade civil brasileira, um projeto que desde o seu lançamento tem gerado tanta confusão e divisão na sociedade brasileira”. Mas ele e a articulação que integra sabem que será preciso mais para reequilibrar o jogo. Além da entrega do documento, serão realizados diversos atos nos estados envolvidos no projeto e uma marcha à Brasília nos dias 12 e 13 de março. A mobilização parece se fazer necessária, já que até o fim do dia de hoje a assessoria da Presidência da República não tinha apresentado qualquer resposta ao pedido feito pelo Frei.

Mas a marcha à Brasília não ficará restrita às reivindicações direcionadas ao governo federal. Um dos objetivos das entidades defensoras de um projeto alternativo de revitalização do São Francisco é pressionar o Supremo Tribunal Federal, uma vez que uma decisão do ministro Sepúlveda Pertence derrubou as liminares contrárias ao projeto em dezembro. Como o fato não é definitivo e ainda tem de ser analisado por todos os 11 ministros, a expectativa dos organizadores da marcha é sensibilizá-los para sua visão acerca dos impactos que o projeto trará. A posição foi recentemente reforçada por um recurso apresentado ao STF pelo procurador-geral da república, Antônio Fernando de Souza, pedindo a cassação da licença ambiental prévia para a obra concedida pelo IBAMA.