Fórum Nyéléni 2007 reforça luta contra neoliberalismo

Dafne Melo
enviada especial a Selingue (Mali)

Depois de cinco dias de debates, reuniões e troca de experiências, chegou ao fim na terça-feira, 28, o Fórum Mundial pela Soberania Alimentar. Além de uma agenda de ações, os cerca de 600 participantes elaboraram uma declaração final onde reforçam sua luta contra “o imperialismo, o neoliberalismo, o neocolonialismo e o patriarcado, e todo sistema que empobrece a vida, os recursos, os ecossistemas e os agentes que os promovem, como as instituições financeiras internacionais, a Organizações Mundial do Comércio, os acordos de livre-comércio, as corporações transnacionais e os governos que prejudicam a seus povos”, diz o documento.

A cerimônia de encerramento contou com a presença do ministro da Agricultura do Mali, Seydou Traore, do embaixador da Venezuela na França, Roy Chaderton Matos e de representantes das Nações Unidas. Na ocasião, alguns participantes do Fórum fizeram intervenções e cobraram um posicionamento sobre as questões debatidas no encontro. João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), endossou a cobrança dos movimentos sociais ao ministro da Agricultura para que seja colocada em prática a Lei de Soberania Alimentar. “Pedimos ao governo de Mali que tenha atitude. Por isso, nos somamos às demandas dos camponeses daqui”, declarou.

No Mali, o presidente Amadou Toumani Touré assinou em agosto de 2006 uma lei que determina a busca pela soberania alimentar como um princípio para o país. “Essa lei é muito importante porque foi a primeira vez que a questão da soberania alimentar foi reconhecida por um governo, que a incorporou em sua legislação. Pressionando em um nível regional, talvez possamos levar essa demanda para um nível continental”, afirma Mamadou Goïta, integrante do Instituto de Pesquisa e Promoção de Alternativas de Desenvolvimento (Irpad) e um dos organizadores do evento. Segundo ele, a medida foi fruto da reivindicação dos movimentos populares. A expectativa é que essa iniciativa gere repercussão na África.

Devido aos altos índices de exploração e pobreza, o tema da soberania alimentar tem sido cada vez mais discutido no continente e essa foi uma das razões pelas quais a África foi escolhida para sediar o Fórum. “Em termos mais amplos, aqui foi onde o conceito da soberania alimentar mais teve ressonância, impacto e maior resposta. Talvez por ser o continente mais distante da soberania alimentar e também muito atingido por dumpings, pelo livre-comércio e pelas privatizações, ou seja, políticas neoliberais que têm tido impacto muito negativo na produção de alimentos”, analisa Peter Rosset, diretor da ONG Food First / The Institute for Food and Development Policy (Primeiro a Alimentação / Instituto para a Alimentação e a Política de Desenvolvimento).

Segundo ele, é equivocado o senso comum que explica a fome na África pelas guerras e pelas condições naturais adversas. Essa seria apenas a exceção no continente; a regra é que a ação das transnacionais é o maior empecilho para os africanos conquistarem sua soberania alimentar. “A África é um continente com fartos recursos naturais de água, com biodiversidade, gente trabalhadora e cultivos locais. O problema real são as políticas, e isso está claro”, avalia Rosset.

Mamadou Goïta explica o caso de seu país. “No caso de Mali, como várias nações do continente, temos o terceiro maior rio da África, o Niger, e um potencial de produção de arroz, por exemplo, de mais de 1,2 milhão hectares. Isso apenas utilizando pequenas tecnologias que as pessoas aqui já manuseiam. Com isso, já abasteceríamos 50% da demanda da África Ocidental”, estima.

Rosset também discorda da idéia de que as guerras no continente ocorrem por conta motivos que remontam à tradição dos africanos. “Isso é pura mentira, se você estuda as guerras existentes hoje no continente, quase em todos os casos, alguns dos dois lados em conflito está financiado por uma corporação estrangeira e o outro grupo financiado por outra que disputam os recursos, como bosques de madeira fina, minérios, petróleo ou diamantes”, diz o pesquisador, acrescentando que é comum as corporações instrumentalizarem exércitos mercenários para iniciar esses conflitos.

Participação local

Mas o Fórum de Soberania Alimentar não ficou se resumiu à discussão de propostas alternativas ao neoliberalismo. Ali também se praticou o conceito que originou o encontro. Batizada de Nyéléni, a vila que recebeu cerca de 600 delegados de todos os continentes começou a ser construída em Sélingué (Mali) em dezembro de 2006 pelos próprios camponeses e trabalhadores do próprio país.

Foram feitas 121 pequenas instalações, compartilhadas por três a seis pessoas. Na vila, foram feitos banheiros e outras nove instalações onde ocorrem as atividades. Tudo obra do trabalho voluntário. Paul Nicholson, representante da Via Campesina no País Basco, explica que 80% de todo o material utilizado na construção foi produzido localmente e, em grande parte, de forma artesanal. “A soberania alimentar deve ser construída a partir da realidade, Mali e Sélinguè representam metade do planeta; aqui, se ganha 2 dólares ao dia”, afirma Nicholson.

Peter Rosset explica que, agora, o espaço ficará à disposição dos movimentos sociais de Mali: “a idéia é que as organizações do Mali e de outros países africanos possam usá-lo como um centro de capacitação e formação, como é a Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, no Brasil”.

Toda a comida consumida pelos participantes foi cultivada ou elaborada pela população local, mas levando em conta características alimentares dos presentes, o que obrigou as cozinheiras a deixarem de lado o característico sabor apimentado da cozinha maliense. Para os vegetarianos – como os indianos –, também foram feitos pratos sem o uso de proteína animal.

Confira Declaração Final do Fórum