Lei Geral é a bola da vez, afirmam especialistas

Jonas Valente
Agência Carta Maior

A guerra entre empresas de radiodifusão e de telecomunicações e um possível “empurrão” do governo federal devem fazer deslanchar a tão adiada Lei Geral de Comunicações neste ano. Esta é a avaliação de especialistas consultados pela Carta Maior.

A base da legislação do setor continua sendo o Código Brasileiro de Comunicações de 1962. A única alteração substancial veio na década de 90, quando a Lei Geral de Telecomunicações estabeleceu normas específicas para apenas um dos segmentos desse campo. Ainda durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), houve um ensaio de uma nova legislação mais ampla para o setor – com sucessivas versões de anteprojetos – que acabou não vingando. Um novo aceno nesse sentido foi dado pelo governo Lula, em 2005, quando um decreto presidencial previu a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) sobre a temática, que não foi nem instalado.

Agora, no bojo do processo de convergência tecnológica, o instinto de sobrevivência dos radiodifusores e a ânsia pela entrada no mercado de conteúdos audiovisuais das chamadas “teles” deverão ser a força motriz das mudanças na legislação da área (veja matéria). “Essa disputa vai jogar o debate de um novo marco regulatório para o centro da cena”, analisa Gustavo Gindre, integrante do coletivo Intervozes e membro do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI BR).

Antes, mudanças nesse sentido paravam sobretudo pela resistência das empresas de TV. Mas a pretensão desse poderoso grupo de conter a ofensiva que vem dos grandes conglomerados nacionais e internacionais do setor de telecomunicações reconfigurou o cenário. Uma nova legislação deixou de ser uma ameaça e se tornou uma necessidade para as emissoras. “A convergência digital deixou de ser uma metáfora para tornar-se uma visível realidade técnica e de negócios, a empurrar principalmente as empresas de telefonia e dados para os mercados de distribuição audiovisual”, explica o coordenador do Laboratório de Pesquisa em Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom/UnB), professor Murilo César Ramos.

Esta “virada” de posição por parte dos radiodifusores, argumenta Gindre, não é fruto de reflexão por parte deste setor, mas um movimento capitaneado pelas Organizações Globo frente a iminentes perdas com o processo de convergência “de um lado pela proliferação dos produtores de conteúdo que não mais dependerão do seu poder de distribuição e de outro lado pela entrada das teles no segmento de conteúdo”. Um dos marcos de seu início foi a tramitação relâmpago da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que alterou o Artigo 222 da Carta Magna passando a permitir a entrada de 30% de capital estrangeiro nas empresas de radiodifusão, mas mantendo o controle acionário e editorial nas mãos de brasileiros “natos”.

A entrada do Executivo nesse jogo, coloca o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e ex-secretário de planejamento do Ministério das Comunicações Marcos Dantas, será fundamental, a despeito da força política e econômica dos agentes envolvidos, para que o debate sobre a Lei Geral ganhe corpo (leia matéria). “A convergência tecnológica está surgindo como pauta dominante. É possível que o governo perceba o momento e resolva sugerir uma ampla reforma normativa nas comunicações. Se isso acontecer, através do envio ao Congresso de um projeto de lei do Executivo, então o debate desse projeto dominará o cenário”, afirma. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, já anunciou que até julho sua pasta terá terminado uma proposta que será submetida à Casa Civil e ao presidente Lula antes de ser enviada ao Congresso.

Na opinião dos especialistas, o papel do governo não pode se restringir a dar o pontapé inicial do jogo. É preciso, na visão deles, garantir que o campo não seja ocupado apenas pela polarização “radiodifusores x teles”, mas pelo conjunto de atores que tem propostas para a reformulação legal. “Diante de uma disputa que reúne interesses desta magnitude, eu acho que o Executivo deveria envolver o maior número de atores sociais, para tentar construir um processo mais democrático que servisse inclusive de anteparo às pressões que o governo deve sofrer”, defende Gindre.

O governo, continua o professor Ramos, da UnB, “não deve tomar lados nessa disputa”, mas atuar como de árbitro do processo, cujos “epicentros políticos têm que estar na sociedade e, a partir dela, no Legislativo”. O professor alerta, no entanto, que esta posição não pode se resumir a usual omissão característica quando se trata de comunicação no Brasil. Marcos Dantas, da PUC-RJ, por sua vez, recomenda uma nova postura do Executivo “sobretudo no Ministério das Comunicações, partidário de um dos grupos da disputa”. Gindre assina embaixo: “Não tenho dúvidas que o atual ministro das Comunicações vai defender os interesses dos radiodifusores. Mas a posição final do governo segue sendo uma incógnita”.

Mas para qual caminho deve apontar esta alteração no marco regulatório da comunicação social? Na visão de Ramos, a Lei Geral, reforçada pela regulamentação do capítulo da comunicação da Constituição Federal, permitiria “repensar todo o atual modelo da comunicação social brasileira hoje em busca de uma nova e mais democrática institucionalidade”. Isso significa, continua, impedir que essa disputa resulte na concentração de poder político e econômico, “como costuma acontecer”. De acordo com Venício Artur de Lima, professor aposentado da UnB e conhecido pesquisador da área, esta desafio passa pela busca de um equilíbrio entre os interesses públicos e privados, “o que não é fácil frente às atuais condições de governabilidade”.

Para Gindre, a composição do governo não dá indicações de que o governo possa assumir uma postura mais favorável a mudanças mais profundas. Caberá, conclui, às entidades da sociedade civil a defesa de um projeto mais voltado para a democratização do setor. “Estamos às vésperas de definir regras que vão influenciar o processo de comunicação no Brasil pelo menos nos próximos 10, 15 anos. E somos nós que teremos a tarefa de defender a diversidade, a comunicação pública e o direito humano à comunicação no meio desta luta de titãs”.