Cana pode prejudicar meio ambiente e produção de alimentos, diz especialista

Carlos Juliano Barros
Repórter Brasil

Ao contrário do que afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em artigo publicado no jornal norte-americano The Washington Post, na última sexta-feira (30/03), a expansão da cana-de-açúcar no Brasil para produção de etanol pode avançar sim sobre áreas onde atualmente se cultivam gêneros alimentícios, além de colocar em risco a integridade de importantes biomas, como a Amazônia e o Pantanal.

O alerta é de Antônio Thomaz Júnior, professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), que há anos estuda a estrutura e o desenvolvimento do segmento sucroalcooleiro no país. “Ninguém tem condições técnicas para dizer que não haverá impacto. Até agora, não foi feito nenhum estudo aprofundado sobre as conseqüências dessa expansão das lavouras de cana”, argumenta.

Em seu artigo no The Washington Post, Lula declara que a cana-de-açúcar não ameaça a produção de alimentos. “Menos de um quinto dos 340 milhões de hectares de terra arável no Brasil é usada para tais culturas. E somente 1%, ou seja, 3 milhões de hectares, é usado para colher cana-de-açúcar para etanol”, argumenta o presidente. “Em contraposição, 200 milhões de hectares são pastagens nas quais a produção de cana está começando a se expandir. O verdadeiro desafio em prover garantia alimentar está em vencer a pobreza daqueles que constantemente estão famintos.”

De acordo com projeções da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), que reúne os principais empresários do ramo, o número de usinas de etanol deve crescer 30% em apenas cinco anos – pulando das atuais 248 para 325 unidades de produção na safra de 2012/2013. Dados fornecidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apontam pedidos de financiamento no valor de R$ 7,2 bilhões. O total de investimentos para a construção de novas usinas está estimado em R$ 12,2 bilhões.

Caso as previsões da Única se confirmem, a área ocupada pela cana crescerá, segundo a entidade, mais de 50%, chegando a quase 10 milhões de hectares em meados da próxima década. De acordo com a Única, as lavouras deverão avançar principalmente sobre o Triângulo Mineiro, o Sul de Goiás e o Leste do Mato Grosso do Sul, substituindo, na maioria dos casos, áreas de pastagens degradadas.

Entretanto, o professor Thomaz Júnior afirma que é preciso analisar de forma cuidadosa a expansão da cana nas diferentes regiões do país. “Em alguns lugares, a cana pode sim substituir a produção de alimentos”, avalia. É o caso do Paraná, onde quatros novas usinas deverão entrar em funcionamento nos próximos cinco anos, e onde a matéria-prima do álcool tende a disputar espaço com as chamadas “lavouras brancas” – principalmente as roças de milho do Norte do estado.
No Oeste de São Paulo, segundo o professor, a rentabilidade da cana-de-açúcar também pode seduzir produtores de laranja a abandonar o cultivo, apostando suas fichas no setor sucroalcooleiro. Já em cidades marcadas por pequenas propriedades, como Jales e Votuporanga, a ânsia por terras para cana também pode agravar a concentração fundiária, comprometendo a agricultura familiar. “A expansão da cana para produção de etanol está pautada no modelo agroconcentrador de riqueza e de propriedades”, alfineta.

Outro ponto criticado por Thomaz Júnior é o discurso de que o desenvolvimento do setor irá alavancar a geração de postos de trabalho. “A tendência é o corte da cana caminhar em direção à mecanização. Mesmo o plantio, que ainda é feito de forma manual, está com os dias contados. O desdobramento mais sério será o desemprego em massa”, acrescenta.

Impactos Ambientais

Além de afirmar que a cana-de-açúcar não afetará a produção de alimentos, Lula classificou como “mito” o argumento de que o etanol é uma ameaça direta às florestas tropicais, já que o solo amazônico não seria adequado ao plantio dessa cultura. Thomaz Júnior, entretanto, discorda dessa premissa. Ele acredita que, em primeiro lugar, a cana realmente tomará lugar de pastagens. Mas tal situação, segundo ele, pode pressionar a abertura de mata nativa amazônica para criação de bois.

Para o professor, o solo da floresta equatorial ainda não se mostra apropriado ao plantio das variedades de cana existentes. Mas ele lembra que existem bolsões dentro da chamada Amazônia Legal onde as condições naturais e climáticas se assemelham às do cerrado – principalmente no Acre, Rondônia, Amapá, Maranhão e Mato Grosso.

Em Nova Olímpia (MT), por exemplo, situa-se uma das três maiores usinas do país, a Itamaraty, que na safra deste ano deve colher cerca de sete milhões de toneladas. Na opinião do professor, é a partir dessas localidades que a cana pode ganhar terreno e, posteriormente, ameaçar a região amazônica propriamente dita – movimento semelhante ao que se verifica hoje em dia com a soja. O investimento em pesquisa para gerar variedades de plantas adaptadas a novos ambientes também pode impulsionar esse fenômeno. “Quem diria, 15 anos atrás, que a soja iria se alastrar pelo Sul do Maranhão?”, analisa.

Mas as preocupações ambientais não se resumem ao ambiente amazônico. O Pantanal é outro bioma bastante ameaçado pelo crescimento das lavouras de cana. Para se ter uma idéia do interesse que as terras do Mato Grosso do Sul despertam, as unidades produtoras de álcool locais devem dobrar até a safra de 2012/2013 – saltando de 9 para 18 usinas, de acordo com a Única. “A intenção do governador André Puccinelli (PMDB) é de aumentar ainda mais esse número”, diz Alessandro Menezes, presidente da ONG Ecologia e Ação (Ecoa).

De acordo com o ambientalista, o governador convocou uma primeira reunião para discutir o zoneamento ecológico e econômico do Estado, antiga reivindicação das entidades que atuam em defesa do meio ambiente no Mato Grosso do Sul. No entanto, não chamou nenhuma entidade da sociedade civil para participar das discussões. “O problema é que esse zoneamento vai acontecer simultaneamente à construção das usinas. Se chegarem à conclusão de que elas se localizam em zonas proibidas, destinadas a preservação, elas já estarão instaladas”, ressalta Alessandro.

O zoneamento deve ser finalizado até meados do ano que vem. “Meu medo é que seja um jogo de cartas marcadas”, afirma Alessandro. Vale lembrar que, em 2005, o projeto de instalação de uma usina nas imediações do Pantanal – que colocava em risco a natureza, segundo o próprio Ministério do Meio Ambiente – levou o ambientalista Francisco Anselmo Barros a atear fogo ao próprio corpo em ato de protesto. Por enquanto, o projeto permanece no papel.