Soltos pela Justiça, guaranis temem por segurança no MS

Verena Glass
Agência Carta Maior

Depois de cumprirem um ano de prisão preventiva em função de uma suposta participação na morte de dois policiais civis em abril de 2006 na aldeia Passo Piraju, município de Dourados (MS), nove indígenas Guarani Kaiowá – entre eles uma mulher – foram soltos nesta segunda-feira, dia 2, por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por decisão da ministra Laurita Vaz, da 5a Turma do STJ, o processo contra os indígenas passará a tramitar na Justiça Federal, anulando-se todas as decisões da Justiça estadual referentes ao caso, mas se mantendo os atos de instrução do processo que não tenham poder decisório.

De acordo com o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Paulo Guimarães, a decisão do STJ defere habeas corpus da defesa que argumenta que o caso envolve disputa de terras entre os Guarani Kaiowá e o fazendeiro que reivindica a área da aldeia Passo Piraju.

Já tendo sofrido ameaças anteriores por parte do filho do fazendeiro, na versão dos indígenas, a aldeia foi surpreendida, no dia 1o de abril de 2006, por três homens sem identificação, que chegaram atirando em um carro também não identificado. “Para os índios, o ataque era claramente mais uma ameaça do fazendeiro”, explica Guimarães. Segundo os Guarani, quando um dos ocupantes do carro, identificados depois como policiais civis supostamente em busca de um foragido que teria se escondido na aldeia, puxou a arma, houve a reação que levou à morte os policiais Rodrigo Lorenzatto e Ronilson Bartier, e deixou ferido Emerson Gadan.

Na decisão do STJ, a ministra considera que a ação conflituosa “traduz aparente esforço para a proteção da terra. O cenário indica estreita ligação com disputa pela posse de terra entre índios e os proprietários”. E conclui: “reconhecendo absoluta incompetência do juízo estadual, tenho por anulado o decreto prisional, sem prejuízo de possível decisão do Juiz Federal sobre a prisão dos índios”. Agora, explica Guimarães, cabe à procuradoria federal dar andamento ao processo, utilizando-se das investigações já feitas e, caso entenda necessário, solicitando novas provas.

Segurança

Temendo pela segurança dos índios por conta do clima de hostilidade criado em Dourados pela imprensa e por colegas e familiares dos policiais mortos, e em função de ameaças sofridas ainda quando os índios deixavam a prisão, os advogados de defesa e a Funai encaminharam os nove Guarani para “local seguro” já na segunda-feira. Nesta terça, dia 3, segundo o administrador regional da Funai, Eliezer Cardoso Cruz, por vontade dos índios foram discutidas possibilidades de deslocamento para alguma aldeia onde “ficassem em segurança”. “O local será sigiloso e de conhecimento apenas do governo”, diz Cruz.

Segundo o Cimi, os cuidados com a segurança se justificam também em função da morte recente do indígena Valdinei de Souza, líder da terra indígena Passo Piraju e filho do cacique Carlito de Oliveira, um dos nove Guarani presos no conflito com a Polícia Civil em abril passado.

Valdinei foi encontrado morto por enforcamento em 18 de fevereiro, dia do nascimento de seu terceiro filho no Hospital da Missão Evangélica Caiuá. Segundo seus familiares, ele teria dito à mãe que iria trocar de roupa antes de ir ao hospital. Cerca de meia hora depois, foi encontrado enforcado no teto de sua casa.

A versão de suicídio, defendida pela polícia e pela Funai, está sendo questionada pelos advogados do Cimi, que já requereu ao Ministério Público Federal que encaminhe pedido de investigação à Polícia Federal. Valdinei é a segunda testemunha do caso Passo Piraju morta em situação de suicídio.

Para a entidade, vários fatores justificariam uma investigação mais aprofundada. De acordo com os indígenas que encontraram o enforcado, o corpo de Valdinei apresentava manchas roxas no abdômen e nas costas. Outro elemento que levanta dúvidas, segundo o Cimi, é uma carta entregue a uma sobrinha em que Valdinei fala do medo de ser preso (estava sendo procurado pela polícia sob acusação de atentado violento ao pudor). No bilhete, diz que “quando eu for preso, quem for ler essa carta lembrará de mim que fiz muita coisas boa e ruim, mas sempre fui legal com todo mundo. (…) Não faça coisa errada quando esta em liberdade pois quando sai na justiça nunca acaba”.

“A carta mostra que ele temia a polícia e a prisão. Defendemos uma investigação mais aprofundada pela PF, que poderá inclusive solicitar a exumação do corpo”, explica Guimarães.