Carta de Belém: nossas terras nossos rios não se vendem

Monocultivos, privatizações de rios e lagos, avanço da indústria madeireira, construção de grandes mineradoras e de complexos hidroelétricos, violência no campo. Esses são apenas alguns dos problemas que afetam diretamente a vida das florestas, da biodiversidade e dos povos tradicionais da região da Amazônia. Essas e outras denúncias constam na “Carta de Belém”, documento lançado pelo Acampamento da Via Campesina, no Pará e que reuniu múltiplos movimentos sociais.

O acampamento foi realizado entre os dias 16 e 20 de abril de 2007 e teve como lema “Contra o Imperialismo e pela Soberania Popular na Amazônia”. Mais de 1000 representantes de movimentos camponeses, indígenas, quilombolas, de pescadores, de pequenos agricultores participaram da atividade. Leia abaixo a carta na íntegra.

Carta de Belém aos povos da Amazônia

Nós, povos tradicionais da Amazônia, Quilombolas, Indígenas (Arapiun, Borari, Tupinambá, Munduruku, Tupayu, Arara Vermelho, Cara Preta, Jaraqui), Ribeirinhos, Pescadores, Sem Terras, Pequenos Agricultores, Atingidos por Barragens, Povos Urbanos, Camponeses e Camponesas, ligados à Via Campesina Pará, vindos de diversas regiões do estado, estivemos reunidos entre os dias 16 a 20 de abril de 2007, em Belém, para denunciar as diversas problemáticas que são geradas em solos amazônicos, oriundas da ofensiva do grande capital: do agronegócio (da soja, eucalipto, pecuária extensiva), privatização de rios e lagos, da indústria madeireira, indústria pesqueira, grandes mineradoras e os complexos hidroelétricos, financiados por grandes bancos e empresas multinacionais, que vem afetando de forma direta a vida das florestas, da biodiversidade e dos povos tradicionais.

Denunciar também a ação dos grileiros de terras, da monopolização da terra para plantio das culturas de eucalipto e soja, que são exportados e da ação violenta dos latifundiários sobre os povos Sem Terras e pequenos agricultores, principalmente das regiões sul, sudeste e nordeste do estado. Denunciar também a derrubada de matas nativas e o plantio da monocultura de eucalipto para produzir carvão vegetal utilizado pelas grandes empresas de Ferro Gusa da região sudeste do estado. Também denunciar a ação indiscriminada dos madeireiros e dos grandes plantadores de soja na região do Baixo Amazonas, assim como da ação da empresa Cargill que vem afetando a vida de pescadores, ribeirinhos e indígenas. Denunciar também a ofensiva do governo, que continua implementando o modelo desenvolvimentista, baseado nos grandes projetos de infra-estrutura do PAC, e agora com a ofensiva para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e da atuação da Companhia Vale do Rio Doce, que foi privatizada no governo FHC e que vem agindo de forma predatória e indiscriminada na região. Denunciar a privatização de terras e águas na Ilha do Marajó, a pistolagem e a construção de cercas elétricas que privam o acesso comum do povo aos bens naturais deste território. Denunciar a realidade das famílias que vivem da pesca artesanal, e que sofrem os abusos das grandes empresas pesqueiras e da pirataria em rios e alto mar. Denunciar a falta de políticas públicas que contemplem o público do campo e também urbano. Por fim, denunciar os diversos trabalhadores e trabalhadoras ameaçados de morte em todos os locais onde os conflitos contra estes grandes projetos estão acontecendo.

Diante disso, nos reunimos para debater esses conflitos que se dão no campo, mas envolvem a sociedade e também exigir do governo ações concretas para romper com esta forma de dominação da nossa floresta e a expulsão dos povos de suas terras. Além disso, denunciar a impunidade diante do massacre do Eldorado de Carajás, dos mais de 500 anos de extermínio do povo indígena, assim como do massacre e violência contra os negros. Neste sentido, queremos debater e continuar construindo um novo projeto de sociedade, baseado nos princípios que orientam o poder popular: na democracia participativa, no respeito às culturas dos povos, na sustentabilidade social, ambiental, econômica, política e cultural, na soberania e na autonomia dos povos.

Para tanto, estamos num processo de construção da unidade em torno da Via Campesina, no sentido de criar um processo de resistência sobre as nossas terras, águas e florestas, envolvendo as diversas organizações que comungam desta mesma idéia e princípios, assim como, lutar para tomar de volta o que o grande capital nos tem tomado durante estes muitos anos. Estamos fortalecendo a nossa proposta de desenvolvimento com o princípio do respeito à vida, dos bens essenciais para a vida, e para construção da soberania popular, contra o imperialismo.

Acreditamos que somente conseguiremos vencer esta nossa luta contra este grande capital, se tivermos um povo organizado e fazendo lutas. Para isso, precisamos formar pessoas que de fato tenham compromisso com a causa socialista, de pessoas que tenham sensibilidade e da indignação diante das injustiças cometidas, assim como, pessoas que cultivam a prática e valores militantes.

“Nossas terras nossos rios não se vendem: nossas terras nossos rios se defendem”.