Em busca da arca de Noé

Leonardo Boff *

O memorando do encontro Bush-Lula, em março, acerca da produção de etanol e de iocombustíveis não deixa de causar preocupações nos meios do pensamento ecológico. O relatório do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) deixou claro que a Terra está buscando celeremente um novo equilíbrio com o aumento de sua temperatura que pode provocar um verdadeiro transtorno nos climas mundiais, uma devastação da biodiversidade e um risco de desaparecimento de milhares e milhares de seres humanos.

Esta situação alarmante está suscitando novas responsabilidades nos governos do mundo inteiro, procurando adaptações e estratégias de minoração dos efeitos nocivos. Aqui e acolá se ouvem vozes que falam da urgência de uma central mundial de poderes para enfrentar coletivamente os problemas globais e também da necessidade de uma revolução objetiva nos modos de produção e de consumo. Caso contrário, poderemos conhecer ainda neste século, o destino dos dinossauros. Depois de reinarem, soberanos, por 133 milhões de anos sobre o planeta, desapareceram há 65 milhões de anos, incapazes de se adaptar ao estado novo da Terra, provocado pela queda de um imenso meteoro rasante, provavelmente, no Caribe.

No memorando Bush-Lula busca-se uma alternativa à matriz energética dominante, mas não uma alternativa ao tipo de sociedade menos energívora e mais respeitosa para com a Terra. O que ambos procuram é uma arca de Noé que possa salvar o sistema imperante. Ora, cabe perguntar: Esse sistema pode e merece ser salvo? Não é ele que com sua voracidade de explorar de forma ilimitada todos os recursos da natureza é o principal responsável pelo aquecimento global? Sobre isso o IPCC não diz sequer uma palavra. Minuciosos cálculos revelaram que o sistema dominante e globalizado, movido a petróleo e com uma economia de competição e não de cooperação, só funciona a contento apenas para 1,6 bilhões de pessoas. Ocorre que somos cerca de 6,5 bilhões.

Como ficam esses restantes? Edward Wilson, o grande especialista da biodiversidade, em O futuro da vida deixou claro que se quiséssemos universalizar o bem estar dos paises industrializados, deveríamos contar com outras três Terras iguais a esta. Nosso modo de viver não é, pois, sustentável. Chegou agora, com as mudanças climáticas, ao seu fim, no duplo sentido de fim: realizou suas potencialidades (fim como objetivo alcançado) e também chega ao seu fim, (fim como morte) condenado a desaparecer.

O que está em jogo não é, portanto, uma alternativa à matriz energética, mas uma alternativa ao padrão de produção e consumo, numa palavra, uma alternativa de civilização. Que adianta redesenharmos todo o mapa produtivo brasileiro em função de manter o velho sistema se ele já tem os dias contados? Sobre este ponto o memorando Bush-Lula não faz sequer um aceno.

Convocados a ajudar na formulação de alternativas não são tanto técnicos nem economistas, mas pensadores, os que vêm das ciências da vida e da Terra, os portadores de um novo sonho, capaz de construir uma arca de Noé que inclua realmente a todos e não apenas alguns. O tempo do relógio corre contra nós. Seria desejável que no governo Lula houvesse – como em outros países há – uma central para pensar a crise sistêmica e suas possíveis saídas salvadoras. Junto com tantos amantes da Terra, aqui deixamos este desafio.

*Teólogo