Em disputa: dois modelos de sociedade e produção agrícola

A cada dia que passa fica mais difícil fazer a feira e comprar as frutas, legumes e verduras para toda a família. O dinheiro gasto com aluguel, transporte, supermercado, roupa e remédio, entre outros, absorve grande parte do orçamento dos brasileiros.

Mais de 90% dos empregos no país têm como teto dois salários mínimos, o que não chega a R$ 800. Como resultado, 72 milhões de pessoas não comem o suficiente no país. O desemprego e o empobrecimento da população têm impactos diretos na agricultura e, principalmente, nas 4 milhões de famílias que têm pequenas propriedades, onde são produzidos 70% dos alimentos consumidos no país, segundo dados do Ministério da Agricultura.

O enfraquecimento do mercado interno diminui o consumo de mercadorias pelos trabalhadores e desvaloriza os produtos agrícolas, o que estrangula os pequenos agricultores que dão prioridade para a plantação de alimentos.

“Estamos prisioneiros pela opção da elite nacional, que praticamente abandonou a política do pleno emprego, da produção e do trabalho em nome da financeirização da riqueza”, afirma o economista Marcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Agronegócio

Dentro de tal modelo, no meio rural, a opção da classe dominante, com o apoio dos governos, foi o que chamam de agronegócio, caracterizado pela produção de monocultura para exportação em grandes extensões de terra, de forma mecanizada e com pouca mão-de-obra. Como produz para fora, o setor independe do crescimento dos salários do povo no país.

“[Agronegócio] É um eufemismo para a atual fase do capitalismo no campo, marcada pelo aumento da taxa de exploração da mão-deobra, pela exclusão, pela violência, pela concentração fundiária e pela degradação ambiental”, afirma o economista José Juliano de Carvalho Filho, integrante da equipe que elaborou a proposta de 2º Plano Nacional de Reforma Agrária para o governo Lula.

“O agronegócio é uma grande aliança entre as empresas transnacionais – que controlam os insumos, o mercado internacional e os preços dos produtos agrícolas – e os grandes proprietários capitalistas. Eles querem produzir apenas mercadorias que dêem lucro e para o mercado externo”, aponta João Pedro Stedile, da direção nacional do MST.

Impactos da Monocultura

Os efeitos do agronegócio para a sociedade brasileira podem ser observados pela sua expansão desde a metade da década de 1990. “A julgar pela forma da expansão dos modernos latifúndios monocultores, o modelo é inaceitável de um ponto de vista social e ambiental”, defende Carlos Walter Porto-Gonçalves, doutor em Geografi a pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para ele, a idéia de progresso e tecnologia das grandes fazendas ignora a herança histórica e as relações sociais desse modelo, que revelam o seu caráter atrasado. “Os latifúndios brasileiros são modernos há 500 anos, pois não havia nenhuma manufatura capaz de produzir tanto açúcar como os engenhos do Nordeste brasileiro”, explica.

Superexploração

O agronegócio oferece os menores salários do país, abusa da superexploração dos camponeses e usa até trabalhadores em situação de escravidão. De acordo com pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Diesse), a média salarial de homens e mulheres no campo é de R$ 323,00 e R$ 128,00, respectivamente. Nos centros urbanos, R$ 699,00 e R$ 364,00.

Na região de Ribeirão Preto, entre 2004 e 2006, segundo dados da Pastoral dos Migrantes e do Ministério Público do Trabalho, morreram 17 cortadores de cana pelo trabalho excessivo em canaviais. Neste ano, morreram mais dois trabalhadores.

Segundo levantamento da Rede Social, no Estado de São Paulo, em 2006, das 76 usinas de cana fiscalizadas, 74 foram autuadas por desrespeito a legislação trabalhista. Além disso, seis foram autuadas por uso de trabalhadores em regime de escravidão.

Natureza

Outro problema causado pelo agronegócio é o desrespeito à legislação ambiental, que coloca em risco a biodiversidade e as florestas brasileiras. Entre 2001 e 2004, segundo estudo de cientistas dos Estados Unidos e Brasil, 5,4 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica foi convertida para a produção de soja. “Existe forte correlação do preço da soja com a taxa anual de desmatamento”, diz Carlos Souza Jr., do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

No Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, o desequilíbrio hidrológico entre as chapadas e as veredas vem se acentuando com o uso dos pivôs centrais para a monocultura de grãos, como soja, girassol e milho, além de algodão e cana. Além disso, a poluição dos rios cresce com o uso dos agrotóxicos, em uma região onde estão as maiores bacias hidrográficas da América do Sul.

“É grande a perda de diversidade biológica dos cerrados. As cheias e as vazantes se acentuam, pois com a perda de solos por erosão aumenta o assoreamento e a carga de material sólido nos rios”, explica Porto-Gonçalves.

As plantações industriais de eucalipto e pinus prejudicam o ciclo hidrológico e a composição dos solos, indica estudo de pesquisadores argentinos e estadunidenses. No Brasil, as empresas de papel e celulose avançam com esse tipo de procedimento especialmente no Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Bahia.

Os cientistas concluíram que a plantação silvícola puxa água em excesso do lençol freático (quase metade das precipitações anuais) e causa salinização do solo, que pode ficar até 20 vezes mais salgado. Em determinadas áreas, diminui em média 52% do escoamento da água.

Fonte: Jornal Sem Terra Especial – Rumo ao 5° Congresso