Mudança da matriz tecnológica passa pela educação

Solange Engelmann
de Curitiba (Paraná)

“O sistema educativo brasileiro foi criado para servir as elites, não para a sociedade como um todo”. A denúncia é de Otávio Bezerra Sampaio, professor doutor da Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Núcleo de Agroecologia. Ele acredita que a agroecologia precisa ser viabilizada também por meio do sistema educativo, mudando o foco da educação que atualmente educa para satisfazer a burguesia.

O professor acredita que a mudança da matriz tecnológica para o sistema agroecológico, passa fundamentalmente pelo processo educativo das famílias de camponeses. É neste sentido, que a Escola Técnica da UFPR vem trabalhando em parceria com o MST, Via Campesina, Movimento dos Atingidos por Barragens (MBA), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), na formação em agroecologia dos camponeses e jovens que vivem no campo.

No Paraná funcionam cinco turmas de agroecologia, envolvendo 550 educandos, sendo que destes, 125 já se formaram e estão atuando nos seus assentamentos e comunidades. Há perspectiva para a criação de mais dois cursos no próximo período.

As escolas de agroecologia trabalham com um sistema educativo libertador e holístico, onde os educandos e educadores são sujeitos do processo. São princípios pedagógicos nos quais não se ensina só a técnica, mas o desenvolvimento tecnológico, a defesa da cultura e a preservação do meio ambiente para a produção de condições sustentáveis no campo. São conceitos diferentes daqueles utilizados nas universidades brasileiras. “Trabalhamos na lógica da vida, não da morte e do veneno como o agronegócio”, explica Sampaio.

Segundo Sampaio, para obter a formação da consciência é necessário conhecer a estrutura do sistema capitalista, que promove a exploração, não só do homem pelo homem, mas também da natureza. Ao fazer a leitura completa, em todas as suas dimensões, os educandos tomam consciência da realidade em que vivem, tendo condições de transformá-la.

Sampaio cita o exemplo de Cuba, explicando que naquele país a prática da agroecologia é trabalhada em todos os níveis educacionais e idades. Em sua opinião, atualmente o sistema agroecológico está se impondo como contraponto ao agronegócio.

Para quem não terminou o ensino médio, as escolas de agroecologia oferecem a formação do ensino médio em paralelo. Também há o pós-médio e graduação de Tecnólogo em Agroecologia. Esse último funciona na Escola Latino-Americana de Agroecologia, localizada no Assentamento Contestado, Município da Lapa (PR). Os outros cursos são ministrados na Escola José Gomes, em São Miguel do Iguaçu, na Escola Milton Santos em Maringá e no Ceagro, em Canta Galo.

Resgate da biodiversidade: mudança de atitude

Segundo Rubens Onofri Nodari, professor titular do departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Catarina (USFC) e Gerente do Projeto de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) é preciso mudar a base alimentar dos brasileiros. Ele afirma que a forma como nos alimentamos atualmente, favorece o agronegócio, uma vez que, há um estreitamento cada vez maior da diversidade no consumo de alimentos.

Segundo Nodari, para que haja uma mudança é preciso haver um esforço da sociedade, por exemplo, na preservação do patrimônio genético das sementes crioulas. O resgate das sementes crioulas e a mudança para o sistema de produção agroecológico depende da mudança de atitude da população, que precisa restabelecer um dialogo com a biodiversidade ou “seguirá promovendo a destruição e o esgotamento do meio ambiente”.

No entanto, o professor alerta que esta mudança só será possível com a sociedade civil organizada. “As conquistas e avanços vão depender de muita organização e prática de discussão”, analisa.

Esses e outros debates fizeram parte do Encontro Terra e Cidadania, realizado em Curitiba (PR), entre os dias 15 e 18 de maio.