América Latina contra a globalização

Mayrá Lima, de Brasília (DF) Cerca de 300 convidados internacionais participarão de debates no decorrer do 5º Congresso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Junto aos trabalhadores rurais, discutirão a conjuntura internacional e as possibilidades da luta por reforma agrária. Um dos conceitos abordados será o da globalização frente aos movimentos de resistência existentes em todo o mundo nos dias de hoje.

Mayrá Lima,
de Brasília (DF)

Cerca de 300 convidados internacionais participarão de debates no decorrer do 5º Congresso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Junto aos trabalhadores rurais, discutirão a conjuntura internacional e as possibilidades da luta por reforma agrária. Um dos conceitos abordados será o da globalização frente aos movimentos de resistência existentes em todo o mundo nos dias de hoje.

François Houtart, sociólogo, membro do Centro Tricontinental – que documenta mais de 500 revistas da África, Ásia e América Latina, com sede na Bélgica –, será um dos debatedores. Em entrevista, ele nos fala de como é possível construir alternativas à globalização.

Houtart sugere que a América Latina possui um papel fundamental na construção de exemplos que, mesmo que não acabem com o capitalismo na região, possuem princípios que vão de encontro aos valores da solidariedade que contrariam a lógica do sistema.

Nesta linha, Houtart reflete o papel ambíguo exercido pelo Brasil como liderança latino-americana dentro de uma contribuição à integração na região. Houtart também estabelece como a América Latina, apesar das contradições das políticas brasileiras, consegue manifestar publicamente uma consciência que se reflete em mudanças para um sistema alterglobalizado, ou seja, através da união de povos.

O senhor participa do Centro Tricontinental. Como funciona o Centro?

O Centro Tricontinental é um centro de documentação e publicação sobre a Ásia, África e a América Latina. A idéia é de dar ao Hemisfério Norte um pensamento crítico do Sul. No Norte, muito freqüentemente, pensa-se que o Sul é um vazio de idéias e de iniciativas, e é o contrário. O Centro é autônomo e está dentro do campus da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Possuímos uma documentação com mais ou menos 500 revistas, na maioria do Sul. São revistas de Ciências Sociais, Econômicas, Culturais, algumas acadêmicas e outras dos movimentos sociais. Também publicamos uma revista que se chama Alternativa Sul, que prioriza o Sul. Publicamos a cada ano, quatro exemplares com temas especiais. A última edição foi sobre Paraísos Fiscais. Antes, foi sobre imigração, outro sobre turismo, sobre todos os aspectos da globalização, sob o ponto de vista do Sul. Nessa revista, somente escrevem autores do Sul.

Qual o posicionamento do grupo a respeito da globalização?

Nós temos um posicionamento crítico, porque a definição que damos à globalização hoje é que é a globalização do capital. Essa é uma posição crítica devido ao estado das resistências no mundo, mas particular no Sul, e também a alternativas ao modelo neoliberal, que é o modelo do capitalismo atual, globalizado.

E como seriam essas alternativas?

As alternativas de fato existem em todos os aspectos: econômicos, políticos, culturais e em todos o níveis da utopia, não no sentido do que é impossível, mas pelo que pode existir amanhã. A médio prazo, é difícil fazê-lo de imediato, pois há problemas técnicos ou por que estamos em frente à resistência do sistema. Também há alternativas de curto prazo. Temos visto com os Fóruns Sociais Mundiais que as alternativas existem, mas o problema é a vontade política. Eu penso que a América Latina é o lugar de maior realização de alternativas importantes, como a Alba, como o Bancosul, Telesur, o programa Operação Milagros. São alternativas reais que, evidentemente, não acabam com o sistema capitalista, mas são avanços que mostram que é possível fazer de outra maneira. E não só no sentido de corrigir um pouco os abusos e os excessos do sistema capitalista com políticas sociais e assistenciais, mas de mudar a lógica do sistema. Por exemplo, a Alba é uma integração econômica não com os princípios do Capital de competência, mas de solidariedade, de complementariedade. Não falamos de movimentos antiglobalização, mas alterglobalização. Significa outra globalização dos povos, não a do Capital.

Como se avalia a importância dos movimentos sociais nesse processo?

Os movimentos sociais são centrais. Sem eles, não haveria possibilidade de criar uma consciência mais popular do problema e um apoio social às iniciativas possíveis. Os movimentos sociais têm uma importância fundamental, não para dizer que o campo político não é importante, mas sim, ter a possibilidade de uma orientação política que, sem as quais, não se faz a Reforma Agrária, não se faz uma campanha nacional de alfabetização. Sem os movimentos sociais, e sem a pressão popular, não conseguiremos chegar a esses resultados.

O Brasil é o maior país da América Latina. Como se estabelece essa relação Brasil e América Latina dentro do processo da globalização?

Evidentemente, o Brasil é um país-chave para o continente latino-americano. Existem várias possibilidades para o papel do Brasil. O Brasil pode atuar, por sua grandeza, como um sub-imperialista, pois tem um poder econômico forte e evidentemente pode instrumentalizar as riquezas dos outros países em função dos interesses particulares. Essa situação pôde ser vista com a Bolívia, que ainda é um problema, porque os interesses da Petrobras e os interesses nacionais e o modelo de desenvolvimento do Brasil podem entrar em contradição com os interesses do povo boliviano. No entanto, ao mesmo tempo, o poder político do Brasil pode também criar outra dinâmica de colaboração que não a de exploração. Assim, é um problema de equilíbrio dos interesses unicamente econômicos, mais do que a solidariedade a um povo que pode ser corrigida se houver vontade política.

Como assim?

Quando vemos mais o conjunto da América Latina, penso que o Brasil tem uma posição ambígua. Há uma parte que colabora para uma nova política de integração latino-americana e é uma política anti-imperialista. Foi todo o papel central do Brasil na luta contra a Alca por exemplo. Também o Brasil participa da mudança do Mercosul. Outra parte, também, existem políticas que não vão na direção de uma nova perspectiva de uma integração latino-americana. Por exemplo, o acordo com os Estados Unidos sobre o etanol que evidentemente é um acordo muito ambíguo e, para mim, bastante negativo pelo que significa a produção do etanol; como essa política contribui mudar o modelo do consumo dos países ricos que querem agora comprar energia no Sul, fazendo crescer a dependência do Sul da economia do Norte. Isso não contribui com a integração latino-americana. Outro exemplo, é a dificuldade que o Brasil tem de se associar à Telesur, que é uma iniciativa fundamental contra o grande capital dentro dos meios de comunicação na América Latina. Isso é mais um problema de vontade política.

Como se diferenciam os movimentos anti-globalização na Europa e os na América Latina?

Evidentemente todos os movimentos anti-globalização dependem de circunstâncias concretas de cada país. Por isso, por exemplo, na França, o principal movimento altermundialista ataca por outra política financeira. Assim, tem sido a origem principal da negação da Constituição Européia, que era interessante para fazer avançar a integração européia, mas era um modelo neoliberal de dependência militar dos Estados Unidos. O povo francês foi contra e como se precisava de unanimidade, não foi possível estabelecer a Constituição Européia. Assim em cada região na Europa, a problemática é diferente, mas a perspectiva é a mesma. Temos visto com as resistências ao G-8 na Alemanha que, pela primeira vez, os movimentos alemães tomaram-se uma força muito grande para mostrar a oposição a um grupo de poderes de posição que decidem em função de seus interesses do Capital destes Países. A Rússia também tem uma posição interessante frente aos Estados Unidos, mas, no interior, a Rússia pratica o sistema neoliberal e assim também existem movimentos de oposição neoliberal até na Rússia. Em toda parte do mundo, temos resistência de tipos diversos, mas a oposição fundamental é a mesma.

Na Europa, devido às políticas neoliberais, tem-se um crescimento bastante rápido das distancias econômicas. Existe uma pequena parcela de gente que está ganhando uma quantidade de dinheiro enorme. Há uma classe média mais e mais vulnerável economicamente e que encontra dificuldades com a privatização dos serviços públicos e existe uma parte da população cada vez mais pobre e este número está aumentando. No entanto, não há uma consciência popular muito forte na Europa. Parte da reação política da Europa é apoiar a direita, como foi na França. Assim, a consciência popular frente ao liberalismo ainda não tem sua expressão política.

Já na América Latina temos visto a tradução política como no Equador, na Venezuela, parte no Brasil, Nicarágua, esperamos no Paraguai, mas existe uma mudança real que não é o fim do capitalismo, mas é um avanço e não somente de resistência.