Soberania Alimentar depende de práticas agrícolas aliadas à natureza

Solange Engelmann,
do Paraná

O modelo do agronegócio tem se intensificando no campo brasileiro, a partir do século XX, concentrando renda, terra, aumentando a violência contra os trabalhadores rurais e destruindo o meio ambiente. Para o engenheiro agrônomo do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST do Paraná, Roni Portugal Penna, esse modelo ainda ocupa um papel central na economia. “Enquanto a agricultura seguir o modelo que atende mercados externos, os maiores incentivos vão para o agronegócio, sem levar em conta os aspectos da segurança alimentar e da qualidade de alimentos para a população”, afirma.
A grande preocupação dos camponeses e ambientalistas são os riscos que o aumento dos monocultivos geram a biodiversidade e às florestas brasileiras, além da ameaça a produção de alimentos. As contradições do agronegócio mostrando que é necessário construir outro sistema de produção, com base na garantia da soberania alimentar e no respeito à natureza.

Vários movimentos sociais, camponeses, pequenos agricultores e entidades, buscam a implantação de um novo modelo de produção sustentável. O assentado e coordenador Estadual do setor de Produção do MST, Luiz Alonso Sales, explica que há mais de dois anos os assentamentos do Paraná realizam experiências baseadas na produção agroecológica. “Estamos trabalhando na construção da mudança da matriz tecnológica, visando à diversificação da produção e a conversão para a agroecologia”, ressalta.

Processo de construção

A agroecologia não se constitui como um modelo, mas como um processo de construção que deve ser implementado de acordo com a realidade de cada região. “Este sistema precisa ser construído em conjunto com várias iniciativas, como: o resgate de conhecimento dos camponeses; formação de profissionais que atendam essa área, e o direcionamento de pesquisas para consolidar a agroecologia como um modelo sustentável de agricultura”, reclama Penna.

Experiências concretas desenvolvidas pelos camponeses ao longo dos anos demonstram que é possível produzir agroecologicamente. No estado, as famílias assentadas do MST desenvolvem experiências em produção de sementes crioulas, leite ecológico, (com sistema de Pastoreio Voisin), mel, frutas, arroz, erva-mate, sistemas agroflorestais, café sombreado, adubação verde para recuperação do solo, entre outros.

O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), também produz leite ecológico, óleo combustível e alimentar, como girassol, e comercializa a produção no sistema de venda direta, para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Com a organização dos agricultores, em grupos de famílias o Instituto Equipe de Educadores Populares (IEEP) formou 13 grupos de agricultores agroecológicos na região de Irati e 12 na região de Barra do Turvo, no Paraná. Ao todo são quase 300 famílias, produzindo 60 variedades de alimentos agroecológicos e entregando para a Conab no sistema de compra direta, e em bairros pobres da periferia.

Além do resgate da soberania alimentar, a agroecologia resgata os conhecimentos tradicionais, promove formação e o aumento de renda dos camponeses. “Na medida em que as famílias se envolvem com a agroecologia e a natureza, percebem a necessidade da preservação, dos recursos naturais”, comemora o Engenheiro Agrônomo, Nilciney Toná, que também integra o setor de Produção do MST.

Falta de Investimentos

Os avanços das práticas agroecológicas são inúmeros, mas até agora, insuficientes para superar as dificuldades, que esbarram principalmente na falta de incentivos governamentais. Na opinião do educador e coordenador de formação do IEEP, Julian Fronczak, falta política pública, específica para o incentivo de cultivos agroecológicos. “Ao longo dos anos os agricultores desenvolveram inúmeras experiências que deveriam ser reconhecidas e potencializadas pelo governo, o que não acontece. Também faltam recursos para financiamentos, assistência técnica, comercialização, formação de agricultores e conscientização dos consumidores”, reclama. A falta de incentivos públicos reflete á opção política do governo Lula e seu comprometimento com o modelo do agronegócio, aponta o educador.

Para o coordenador Estadual do MPA, Francisco Domingues, a agroecologia também enfrenta a ofensiva dos grandes meios de comunicação que diariamente “enganam a população com a propaganda do agronegócio”. Domingues acredita que a implantação da agroecologia depende, principalmente da valorização das experiências dos movimentos sociais no campo. “O governo deve investir na contratação de técnicos ligados aos movimentos sociais, não de profissionais que não têm compromisso com os camponeses, mas as empresas de agrotóxicos”, declara.

A atual situação da agroecologia demonstra que para que a mudança da matriz tecnológica convencional para um sistema de produção agroecológico, aconteça de fato, precisa se tornar uma luta de toda a sociedade brasileira, não apenas dos camponeses e pequenos agricultores, alerta Toná. Ele ressalta que o avanço do agronegócio está caminhando para o esgotamento dos recursos naturais e dos alimentos. “As experiências concretas mostram que a implantação da agroecologia passa por lutas políticas mais amplas. É um novo projeto para o campo que exigi articulações de vários setores para se desenvolver”, conclui.