Amazônia: estudos nas mãos estrangeiras

“A Amazônia e o equilíbrio ambiental: o presente e o futuro” foi o tema da mesa-redonda apresentado pelo professor da Unicamp Wilson de Figueiredo Jardim, juntamente com o professor Bruce Rider Forsberg, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). A palestra foi apresentada na “59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência” , que aconteceu em Belém, no Pará.

“A Amazônia e o equilíbrio ambiental: o presente e o futuro” foi o tema da mesa-redonda apresentado pelo professor da Unicamp Wilson de Figueiredo Jardim, juntamente com o professor Bruce Rider Forsberg, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). A palestra foi apresentada na “59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência” , que aconteceu em Belém, no Pará. Na entrevista a seguir, Wilson fala sobre os pontos abordados no evento, tais como o valor econômico da floresta e as mudanças locais, os ciclos do enxofre, o nitrogênio e o mercúrio na região, entre outros. Além disso, Wilson fala do projeto chamado Experimento de Grande Escala da Biosfera da Amazônia e do que precisamos fazer para desenvolver a floresta de maneira sustentável, ou, como ele afirma, “de forma harmoniosa”.

Wilson de Figueiredo Jardim é graduado em Química pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR. Seu doutorado na área de Ciências Ambientais foi realizado na Universidade de Liverpool, na Inglaterra. Atualmente, Wilson é professor titular do Instituto de Química da Unicamp, com experiência na área de química ambiental.

Entrevista publicada no IHU On Line

Na palestra “A Amazônia e o equilíbrio ambiental: o presente e o futuro”, como o senhor compara a situação da região no passado em relação à situação atual e as perspectivas?

Antes de esclarecer este ponto, preciso lembrar que a reunião da SBPC, que tinha como tema a Amazônia, teve várias seções nos quais foram discutidos vários outros aspectos, como, por exemplo, o valor econômico da floresta e as mudanças locais. A nossa seção, por sua vez, abordou ciclos de elementos químicos dentro da Amazônia. Então, nosso enfoque foi voltado para se avaliar, por exemplo, de que maneira as alterações do ciclo de carbono influenciam outros ciclos, em maior ou em menor escala. Nossa visão não foi macro, porque ela foi abordada em várias outras mesas. O que nós fizemos foi perceber que se nós observarmos ciclos que estão em muitas pequenas quantidades, como o do mercúrio, um dos elementos que têm atraído a atenção para a Amazônia, veremos do que eles dependem, quais são os outros com os quais estão envolvidos. Não se pode falar em mercúrio sem falar em ciclo do carbono, luz, intensidade luminosa, uso e ocupação do solo, porque todos esses fatores são predominantes e controlam o transporte, emissão, absorção, desses microelementos.

Por exemplo, hoje se fala muito de biocombustíveis que são promissores e sustentáveis. Quando analisados, eles são vistos meramente pelo ciclo do carbono e de fato temos um carbono diferente do fóssil, porque “cicla” por um período muito curto e o carbono fóssil “cicla” durante anos. Então, temos uma diferença muito grande. Agora, se você expandir a área de biocombustíveis no Brasil, nós estaremos falando de outros ciclos, como o do nitrogênio, o do enxofre. Então, existem as grandes emissões de dióxido de nitrogênio e enxofre que acompanham o ciclo do carbono, ou seja, começamos a ter outros contaminantes emitidos de uma chuva ácida, de uma série de outros desequilíbrios, não computados, quando se fala em biocombustíveis. Raramente as pessoas falam disso. Além do aspecto social, claro, do que se paga, por exemplo, a um trabalhador. Não se pode falar em combustível biosustentável se tivermos um trabalhador que tem uma expectativa de vida inferior à de um escravo na época da escravidão brasileira. Ou seja, é sustentável para quem? Seria aí uma falácia se falar em sustentabilidade se o aspecto social vem acompanhado de uma série de aspectos de insustentabilidade.

O valor da Amazônia

Quando extrapolamos a Amazônia, nós temos primeiro uma riqueza, da qual, inclusive, muito se fala, mas que nunca foi traduzida em, por exemplo, produto interno bruto. Então, muito se fala do valor da floresta, mas ele ainda é teórico, pois ela, na verdade não está sendo explorada como floresta, e sim como solo. Então, quando olhamos todos esses aspectos e percebemos que existe já uma previsão do Ministério da Agricultura, existe um relatório desse ministério que fala na expansão da indústria agroenergética, como eles chamam, em que teríamos uma parte da Amazônia que estaria, a priori, servindo para expandir a agroindústria. Isso quer dizer o seguinte: sua floresta será substituída por plantações de soja para a produção de biocombustível. Quando se faz uma análise não política, mas simplesmente uma análise de estoque de carbono, chegamos à conclusão que como a produção de soja, por exemplo, é muito baixa em termos de litros de combustível por hectare, notamos que há uma diferença excessiva em quantos anos precisaríamos plantar para compensar o carbono que roubaríamos da floresta. Na nossa mesa-redonda, nós avaliamos exatamente esses outros aspectos, que raramente são discutidos quando se fala em produção de biocombustíveis e na preservação da Amazônia. Por exemplo, se nós formos plantar, derrubar a floresta para fazer dendê para biocombustível, chegaremos à conclusão de que precisaremos de pelo menos 90 anos para compensar, em termos de carbono, o que destruímos da floresta. Se plantarmos soja, seriam precisos 320 anos. Ou seja, essa análise raramente é feita. Além disso, quando se mudam a cultura, o uso do solo, isso significa que precisaremos trazer mais fertilizantes, ou seja, teremos que colocar nitrogênio e enxofre no solo, o que também altera outros ciclos que também estão junto com o carbono.

A vitalidade da água

Então, agora, retornando ao ciclo do mercúrio, nós temos uma riqueza na Amazônia, que ainda não foi contabilizada, que é a parte de recurso hídrico. A Amazônia tem muita água, e esta, nós sabemos, já é uma commodity e tem um valor crescente dentro do cenário mundial. Nós não podemos dilapidar ou caracterizar este recurso como se fosse de qualidade inferior devido a algumas contaminações que apresenta. A nossa idéia foi justamente mostrar, por exemplo, que nós precisamos fazer uma preservação desses recursos hídricos, conhecer e gerenciar recursos conhecendo. Ou seja, nós só gerenciamos recursos que conhecemos. Então, o que nós apontamos na nossa mesa redonda, em primeiro lugar, é que grande parte desse conhecimento, hoje, não está sendo feito por brasileiros, e sim por estrangeiros que estão atuando na Amazônia. Há situações em que temos cerca de 60 cientistas estrangeiros trabalhando na Amazônia. É inimaginável pegar 30 cientistas brasileiros e colocar na Flórida, a fim de estudar sua região. Ou seja, precisamos também equacionar isso, fomentar o maior grupo de brasileiros possíveis, para que nós possamos conhecer o funcionamento da floresta e de seu ecossistema e, assim, gerenciar esses recursos, de modo muito menos empírico e com bases científicas mais sólidas. Hoje, infelizmente, há um descompasso no conhecimento sobre esses aspectos que são fundamentais. O conhecimento que existe não está em poder de cientistas nacionais. Então, há de se pensar sobre isso. Não há nenhuma xenofobia nesse meu raciocínio: é apenas uma questão estratégica, de como se fazer isso, de se conhecer, então, os pequenos ciclos, os ciclos dos elementos minoritários, como o do mercúrio, a que me referi anteriormente, que foi um agente de grande preocupação e que depende de tantos aspectos pouco esclarecidos.

Que tipo de críticas o senhor faz a projetos como o Experimento de Grande Escala da Biosfera da Amazônia?

Eu acho que esse projeto tem aspectos positivos e negativos, mas, pessoalmente, ele traz mais pontos negativos. No meu entendimento, trata-se, sem dúvida, de um projeto de grande importância estratégica não apenas para o Brasil, mas mundial. Mas não penso que podemos justificá-lo, considerá-lo necessário, apenas porque há recursos que foram colocados por outros países e que o Brasil não poderia fazer isso sozinho. Acho que essa justificativa, a meu ver, não se sustenta. Eu não sei até que ponto todos os objetivos desse projeto foram, realmente, idealizados e discutidos no Brasil. Na minha visão, uma parte apreciável desses objetivos vieram já prontos e temos um poder de barganha muito pequeno. E o outro caso é que esse desbalanço existente deve ser levado em conta, porque nenhum outro país no mundo aceitaria cientistas estrangeiros trabalhando numa região estratégica sem um controle mais efetivo disto, como já disse. Eu não concebo, em nenhum outro país, que sejam colocadas dezenas de cientistas trabalhando, gerando dados, sendo que a nossa contribuição ainda é muito pequena nesse projeto. Então, o fato de existir um financiamento não justifica a existência de um projeto. O governo brasileiro deveria fomentar mais a pesquisa na Amazônia, mas essa conversa já é antiga. Tudo o que estamos falando é sabido pela comunidade. Precisamos, portanto, olhar com mais cuidado esse tipo de projeto.

O que é necessário ser feito para que medidas sejam tomadas para garantir o desenvolvimento sustentável na Amazônia?

Em primeiro lugar, acho que não há crescimento sustentável na concepção exata da palavra. Isso porque em nenhum processo existe 100% de reciclo ou de recuperação. A partir do momento em que temos uma população crescente, e estar vivo significa impactar alguma coisa, a manutenção da vida é por si só degradante. Então, se temos uma população crescente, precisamos pensar em forma extremamente inteligente de utilizarmos esses recursos, de modo que o retorno seja condizente com sua proposta de utilização desse recurso de tal maneira que haja o mínimo impacto possível. Nós chamamos isso muito mais de crescimento harmonioso do que sustentável, porque a sustentabilidade é muito difícil.