Nova regionalização a partir dos agrocombustíveis
Carlos Walter Porto-Gonçalves *
A sociedade brasileira deve ficar atenta às investidas que estão sendo gestadas no sentido de conformar novas divisões regionais, agora originadas a partir do quadro geográfico e político que se abre com os agrocombustíveis. Diante da aposta que o governo federal faz em torno do etanol e do biodiesel várias foram as críticas que passaram a ser feitas, sobretudo aquelas que apontam para os efeitos negativos que seguramente atingirão a Amazônia e o Cerrado, neste caso particularmente a região do Pantanal. Enfim, os dois mais importantes biomas brasileiros quanto à biodiversidade sofrerão efeitos negativos com o avanço do monocultivo de cana e da expansão da pecuária em face do deslocamento da criação de gado pela ocupação das áreas de pastagens em São Paulo, em Minas Gerais e em Mato Grosso do Sul, fatos já comprovados em pesquisas e denunciados por zootecnistas, agrônomos e geógrafos.
Diante da importância que esses biomas têm para o mundo há um olhar internacional atento o que obrigou o Presidente Lula a se antecipar e tentar esclarecer que a Amazônia não será atingida pela produção de cana para o etanol. Ainda que o Presidente nada tenha dito acerca dos efeitos diretos da expansão da cana expulsando o gado das áreas do sudeste e do Mato Grosso do Sul e que a cana já seja cultivada na Amazônia (vide o caso da Fazenda Gameleira) o fato é que o governo vem se preocupando e já circula entre especialistas que o governo planeja estabelecer restrições ao cultivo de cana nessas regiões mediante um zoneamento econômico-ecológico. Talvez um dos melhores efeitos que o etanol possa trazer para a sociedade brasileira seja exatamente a iniciativa de que medidas mais concretas sejam tomadas quanto às sucessivas denúncias de trabalho escravo na agroindústria do complexo sucroalcooleiro, assim como aos seus sabidos efeitos ambientais nocivos. E já começa a se sentir a ação da quincentenária oligarquia canavieira que diante das novas oportunidades de se reproduzir o mesmo quadro favorável da época da colonização já se põe em ação para refazer a regionalização da Amazônia e do Pantanal de modo a favorecer o cultivo da cana.
No Pantanal já está na Assembléia Legislativa do estado de Mato Grosso uma experta proposta de definir como Pantanal somente a área alagada e deixando as terras livres de inundação da imensa planície que se conformou naquela depressão geológica conhecida como Pantanal livre para o cultivo de cana. Quanto a Amazônia já se vêem propostas de modificar a área definida como Amazônia Legal deslocando mais para o norte o paralelo sul que demarca a área de modo que mais áreas fiquem disponíveis para o plantio de cana. Assim, se o governo fizer restrições ao cultivo de cana na Amazônia e no Pantanal estamos correndo o risco de, mais uma vez, vermos ser “coisa para inglês ver” tal como a Constituição de 1826 fez com a abolição da escravatura, como nos informa Raimundo Faoro.
Não devemos subestimar a capacidade dessas oligarquias de fazerem valer seus interesses históricos e de regionalizar o território. As Capitanias Hereditárias foram fruto do primeiro Ordenamento Territorial sobre a terra brasilis. E mais, são oligarquias que sempre foram modernas, bastando observar que não havia no século XVI nada de tão moderno tecnologicamente no mundo como os engenhos desses “senhores da terra e da guerra”. Enfim, somos modernos há 500 anos e devíamos nos perguntar por que continuamos oferecendo como solução aquilo que sempre foi parte do problema. Atenção, portanto, a essa nova regionalização em curso, pois não faltarão aqueles que dirão que se trata de uma regionalização da época da ditadura, ainda que seus beneficiários de ontem e de hoje nada tenham dito quando o regime ditatorial sob tutela militar fez a sua regionzalização.
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* Doutor em Geografia e Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, Membro do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso. Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). Membro do Grupo de Assessores do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Autônoma da Cidade do México. Ganhador do Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004 é autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, em que se destacam: – “Geo-grafías: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentablidad”, ed. Siglo XXI, México, 2001; “Amazônia, Amazônias”, ed. Contexto, São Paulo, 2001; “Geografando – nos varadouros do mundo”, edições Ibama, Brasília, 2004; “O desafio ambiental”, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2004; “A globalização da natureza e a natureza da globalização”, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006.