Romaria reforça a luta pela terra em Santa Catarina

Dirceu Pelegrino,
de Correia Pinto (SC)

Numa manifestação religiosa, em que a fé e a vida se misturam e os clamores dos povos do campo e da cidade se fazem ouvir, cerca de 6.000 pessoas participaram, no dia 9 de setembro, da 20ª Romaria da Terra e da Água em Santa Catarina. Com o lema “Essa Terra é Boa e é Nossa”, a Romaria voltou a ser realizada no campo. O Assentamento Pátria Livre, no município de Correia Pinto, no planalto serrano catarinense recebeu os romeiros que vieram de todas as regiões do estado. Plantio de árvores nativas e apresentações culturais rechearam o evento.

Eram 8 horas da manhã quando os primeiros ônibus chegaram no assentamento Pátria Livre. Os romeiros desceram dos ônibus cerca de mil e quinhentos metros longe do local da Romaria. Com a simbologia da luta dos povos indígenas, quilombolas, Sem Terra, camponeses e religiosos, todos saíram em caminhada.

Durante o percurso, encenações representavam a fúria do capital e a resistência dos povos que nunca fugiram da luta. A cruz de cedro, simbolizada pelo luto dos mártires, foi carregada. Ao chegar ao assentamento, o preto da cruz deu lugar às mudas de árvores nativas que foram plantadas pelos romeiros.

As Romarias em Santa Catarina, iniciaram no dia 11 de setembro de 1986 na comunidade de Taquaruçu, local de uma das batalhas da Guerra do Contestado, no município de Fraiburgo. A 3° Romaria aconteceu em 1988, em Ponte Serrada, na primeira área conquistada pelo MST de Santa Catarina, o Assentamento 25 de maio. As últimas, distanciadas de sua origem, estavam ocorrendo em parques de exposições e centros de eventos.

O objetivo de realizar a 20ª Romaria numa área que foi recentemente conquistada pelos Sem Terra, através da luta e onde estão sendo assentadas 70 famílias é recuperar o sentido da Romaria. Como explicou Jaime Bianchi, que esteve presente em todas as Romarias, “queremos celebrar a Romaria no sonho dos imigrantes por uma nova terra e nova vida. Que a Romaria seja celebrada na garra do povo Sem Terra e dos pequenos agricultores que lutam pela terra e na terra, na partilha justa do chão”.

Além de resgatar os locais de sua realização, esta Romaria resgatou também os valores da solidariedade, da partilha, do reencontro de amigos, da justiça e da fraternidade. Neste dia, nada foi comercializado. Em tendas organizadas pelos Movimentos Sociais do campo e pelas Pastorais Sociais da Igreja Católica, diversos tipos de comidas típicas foram preparadas e socializadas com os participantes. Todos comeram e ainda sobrou muita comida.

Vilson João Santin, da Direção Estadual do MST falou da grandeza da atividade. “Quanta alegria, quanta satisfação, quantos abraços calorosos dos amigos reencontrados nesta terra boa! Realizamos a 3ª Romaria na primeira área conquistada pelo MST e hoje, 19 anos depois, nesta terra que simboliza uma vitória contra o latifúndio”. Ele lembrou também do saudoso Dom José Gomes, que ficou conhecido como o Bispo dos pobres e dos Sem Terra: “Dom José é inexplicável! Sua principal obra foi colocar os pobres, os excluídos e os explorados no caminho da luta para se libertarem”.

Santin comparou a Romaria com o socialismo, “o Socialismo é isso que estamos fazendo, o povo feliz, se alimentando bem, confraternizando-se, usufruindo dos bens construídos com seu suor e preservando e respeitando a natureza. O ser humano sendo respeitado e vivendo feliz”! E finaliza, “o povo vale mais do que o dinheiro e do que o capital e só a luta desse povo organizado irá libertá-lo”.

A Mãe Terra acolheu os romeiros em seus braços, no local onde se deu uma das mais lindas expressões de fé, dos que sonham, dos que lutam, dos que acreditam que a terra e a água são bens da humanidade na construção da soberania alimentar e da justiça social. Ana Maria Vendrami, militante das Pastorais Sociais, traduziu o espírito da Romaria: “Somos mulheres e homens, crianças, adultos, jovens e idosos. Viemos de comunidades, das mais distantes e as de bem perto. Viemos de muitas terras e de muitas águas, mas somos “um só” em Cristo quando dizemos com firmeza, profecia e esperança teimosa: Essa Terra é Boa e é Nossa”!

Foi com muita gratificação que as famílias do assentamento Pátria livre acolheram os participantes. Como disse Geneci Andriolli, da coordenação do assentamento, “para nós é uma grande conquista acolher e conviver com tantas pessoas que lutam e sonham com um mundo melhor. É muito gratificante ver tanta gente se alimentando sem que os alimentos fossem comercializados”.

Ivonete Duarte de Morais, da Comissão Pastoral da terra, já participou de cinco Romarias. Mas, para ela essa foi marcante. “Foi Maravilhoso, num local lindo, no campo, na terra livre. É o espírito da partilha e da solidariedade resgatando a verdadeira mística e espiritualidade da Romaria”. Da mesma forma, o agricultor Argemiro Marins, que esteve presente em oito Romarias, elogiou entusiasmado a realização desta, “Foi a que eu achei melhor, sem comercialização, todo mundo comeu bem e ficou realizado”.

Os romeiros e romeiras de fé, peregrinos e peregrinas da Mãe Terra e da Irmã Água, saíram conscientes do seu papel na construção de uma sociedade sem exclusões. Todos acreditam que um outro mundo é possível e por isso assumiram o compromisso de lutarem contra a privatização da água, contra as Barragens, pela Reforma Agrária, resgatar as sementes crioulas, combater a corrupção e lutar pela garantia dos direitos conquistados.

A 20ª Romaria da Terra e da Água deixou a mensagem: “A terra não é apenas um lugar de produção. É um espaço de vida que inspira o sonho e a luta por uma sociedade nova. A água é o que sustenta e dá a vida a todos os seres vivos.